TEOGONIA - Origem de todos os deuses e heróis gregos, por Marcelo Moraes Caetano
Exegese literária feita sobre as tradições clássicas de Hesíodo, Homero e, mais tardiamente, Virgílio
(Autor: Marcelo Moraes Caetano)
TEOGONIA - A ORIGEM DOS DEUSES
HESÍODO(1)
(1) Algumas variantes e comentários não pertencem à obra em pauta, sendo, todavia, oriundas da tradição clássica.
A) INVOCAÇÃO ÀS MUSAS* (versos 1-115):
* As Musas são as filhas de Zeus com a Titânida Mnemósina, surgidas após pedido dos deuses para que se criassem divindades capazes de cantar e rememorar as vitórias alcançadas contra os Titãs. Também eram conhecidas como “Piérides”, graças à vitória conquistada contra as nove filhas do rei Píero, da Emácia (tal disputa foi no monte Hélicon, e consistiu no desafio das filhas de Píero contra as Musas no sentido de que aquelas cantariam melhor que estas úlimas). À mesma raiz etimológica de “Musa” estão ligadas, pois, as palavras “música” e “museu”, que não deixam de ser depósitos vivos da memória de façanhas dos homens e dos deuses. São, portanto, cantoras: não só satisfazem o orgulho bélico dos deuses, como, também, dão inspiração a quantos mortais as invoquem condignamente: poetas, dançarinos, cantores. Eram nove,  resultantes das nove noites consecutivas em que Zeus se deitou com Mnemósina,  tendo cada uma um tipo específico de arte sob sua tutela, artes estas às quais presidiam:
Calíope: poesia épica;
Clio: história;
Polímnia: retórica;
Euterpe: música;
Terpsícore: dança;
Érato: lírica coral;
Melpômene: tragédia;
Talia: comédia;
Urânia: astronomia.
A.1) NARRATIVA (v. 1-34)
A.2) HINO (V. 35-115)
B) NASCIMENTO DO UNIVERSO (COSMOGONIA*) (v. 116-132):
ERA PANTEÍSTICA
*Trata-se de uma cosmogonia ctônia, pois ocorre sempre na direção das trevas à luz, isto é, do Caos até a elevação suprema, Zeus. Haverá, no entanto, bases também celestes e telúricas, encontradas adiante, no percurso natural da evolução do cosmo, dos deuses, dos heróis assim como dos homens e mulheres.
ÉREBO (escuridão profunda)
1) CAOS ÉTER
NIX (noite)
HEMERA (dia)
ÚRANO (céu)
GÉIA (terra) MONTES
PONTO (mar)
2) TÁRTARO* (habitação profunda)
* Mais tarde, com os órficos (sécs. VII e VI a.C.), traça-se a topografia do Hades, dividindo-se este em:
Érebo, Campos Elísios e Tártaro. Dá-se a este último a noção de “local de suplícios”, sendo, inclusive,
a única das moradas eternas do Hades, onde os sentenciados sofriam os flagelos das Erínias, de que se
falará.
EROS (amor)
Há uma variante segundo a qual Nix juntou-se a Caos. Dessa união veio um ovo, do qual nasceram, de seu miolo, Eros, e, das metades da casca, Géia e Úrano.
C) REINADO DE ÚRANO (TEOGONIA) (v. 133-452):
PRIMEIRA GERAÇÃO DIVINA.
Úrano se une a Géia, dando origem às seguintes divindades:
1) TITÃS: OCEANO, CEOS, CRIO, HIPERÍON, JÁPETO, CRONO.
2) TITÂNIDAS: TÉIA, RÉIA, MNEMÓSINA, FEBE, TÉTIS, TÊMIS.
3) CICLOPES: ARGES (raio), BRONTES (trovão), ESTÉROPE (relâmpago).
4) HECATONQUIROS: COTO, BRIARÉU, GIAS.
Géia pede a seu filho caçula, Crono, que mutile Úrano, pois que este comia os filhos à medida que nasciam. Para isso, é feita uma foice, com a qual Crono, obediente à mãe, corta o testículo do pai, lançando-o no mar. Do sangue de Úrano sobre Géia nascem:
1) ERÍNIAS: ALETO, TISÍFONE, MEGERA.
2) GIGANTES.
3) MÉLIAS OU MELÍADES (NINFAS DOS FREIXOS)
AFRODITE*, da união do testículo de Úrano com o mar.
* Segundo uma variante, encontrada também na Ilíada, Afrodite poderia ter nascido da união de Zeus com Dione (de que estaremos tratando à frente), motivo pelo qual a deusa poderia atender pelo epíteto “Dionéia” (além de possuir outros, como “Cípris”, “Cípria”, “Citeréia” - pela boa acolhida que tivera nas ilhas de Chipre e Citera - “Anadiômene”, etc.). Pelo eterno caráter dúplice de tal deusa, eminentemente causadora de união (daí a própria energia de Eros, o Amor), inclusive no que tange a seu sexo, que ora seria concebido como masculino (havendo templos em que a deusa era adorada com barbas, sem contar em sua união com Hermes, que deu à luz Hermafrodito, o ser andrógino), e também quanto aos aspectos ctônio e celestial, claro e escuro, era ela concebida, hierofanicamente, ora como “Afrodite Urânia”, a dos amores sublimes, a “sem-mãe”, a Celeste, ora como “Afrodite Pandéia”, ou “Pandemo”, a venerada por toda a gente, a dos amores vulgares e eróticos, a da Terra, e mesmo a do Submundo. A esses epítetos poderia ajuntar-se o modificador chruse, “áureo”, visão relativamente comum que se fazia da “Áurea Deusa do Amor”. Ela era, por essa duplicidade, associada a deusas por assim dizer exclusivas de certos aspectos, aspectos estes que se punham mais bem evidenciados por uma de suas hierofanias. Por isso, associava-se não raro a deusa às Erínias, às Moiras, a Hécate, a Hera etc. Muitos outros são os domínios da Deusa do Amor, que, como se sabe, foi trazida diretamente do Oriente, a deusa semítica da fecundidade, onde era conhecida por Istar ou Astarote (Astarté), sendo que um de seus casos amorosos mais conhecidos  o com Adônis (do vocativo semítico, cf. Kerényi, Adoni, “Meu Senhor”) - também deve ser mero recorte do caso de Istar com o babilônico Tamuz. Assim, por exemplo, Karl Kerényi aponta, em Os deuses gregos, entre nomes e sobrenomes da deusa, os seguintes principais que a identificam (rememoram e evocam): “Afrodite Zeríntia”, “Genetílis”, “Pelágia”, “Apostrófia”, “Eleêmon”, “Hetaíra”, “Porne”, “Kalligloutos”, “Kallipygos”, “Senhora” (ou “Afrodite Hera”), “Afrodite Enóplio”, “Afrodite Morfo”, “Ambológera”, “Afrodite en kepois”, “Epitragídia”, “Afrodito” (um dos nomes masculinos para a deusa), “Melênis”, “Escócia”, “Andrófono”, “Anósia”, “Timborico”, “Basílis”, “Epitimbídia”, “Pasifessa” e, entre os latinos, “Venus Genetrix” (nascimento) e “Venus Libitina” (morte).
NIX gera, sozinha, entre outros:
MORO (destino)
TÂNATOS (morte)
HIPNO (sono)
MOMO (sarcasmo)
HESPÉRIDES
MOÎRAS
QUERES
NÊMESIS
GUERAS (velhice)
ÉRIS (discórdia, emulação)
C.1) GERAÇÃO DE PONTO (E GÉIA):
PONTO gera NEREU, o “velho do mar”.
NEREU se une a DÓRIS, a Oceânida (filha de OCEANO e TÉTIS), originando as 50 NEREIDAS: ANFITRITE, TÉTIS*, EUNICE, PSÂMATE, DINÂMENE, GALATÉIA etc.
* Não se trata de Tétis a Titânida, “Urânia”, mas de outra, a Nereida, como vimos. Ocorre que, por motivos gráficos, houve convergência das formas escritas (e, logo, pronunciadas), resultando numa polissemia - ou homonímia - dentro da língua portuguesa, proveniente, como se mostrou, de vocábulos homeotrópicos.
PONTO se une a GÉIA, dando origem a:
TAUMAS
FÓRCIS
CETO
EURÍBIA
TAUMAS se une a ELECTRA, a Oceânida:
ÍRIS
HARPIAS: AELE, OCÍPETE e, mais tarde, CELENO.
FÓRCIS se une a CETO, originando:
GRÉIAS (as velhas): ENIO, PEFREDO, DINO.
GÓRGONAS: ÉSTENO, EURÍALE, MEDUSA*.
* Há duas variantes acerca do nascimento de Medusa. Um o reporta a certa competição entre Minerva e a Górgona, em que, por vingança, aquela teria transformado esta no monstro que passou a ser. Outra aponta um ato de amor entre Posídon e Medusa ocorrido no templo de Minerva, suscitando-lhe (à deusa), portanto, a ira e a vingança, recaídas furiosamente sobre a mortal.
MEDUSA, decapitada por PERSEU (filho de ZEUS e DÂNAE), gera, com seu sangue:
PÉGASO (o cavalo alado)
CRISAOR (o gigante)
CRISAOR e CALÍRROE (Oceânida):
GERIÃO (gigante de três cabeças)
ÉQUIDNA (metade mulher, metade serpente)
ÉQUIDNA se une a TIFÃO, o terrível monstro de cem cabeças (filho de GÉIA e TÁRTARO), gerando:
OSTRO (o cão de Gerião)
CÉRBERO (o cão que guarda a saída do Hades)
HIDRA DE LERNA
QUIMERA
FIX (Esfinge)
LEÃO DE NEMÉIA
CRIO se une a EURÍBIA*:
ASTREU
PERSES
PALANTE
*Pusemos aqui esta última união por termos, anteriormente, feito o subitem “Geração de Ponto”, de quem Euríbia é filha. Tal geração se desenrolará, todavia, na próxima parte da Teogonia.
C.2) OUTRAS UNIÕES:
OCEANO se une a TÉTIS (a Titânida):
RIOS: Nilo, Alfeu, Eurídano, Estrímon, Istro, Fásis, Aquelôo etc.
OCEÂNIDAS (3000): ELECTRA, DÓRIS, CLÍMENE, CALÍRROE, DIONE, PLUTÓ, EUROPA, MÉTIS, CALIPSO, ESTIGE etc.
HIPERÍON se une a TÉIA:
EOS (Aurora)
HÉLIO (Sol)
SELENE (Lua)
ASTREU se une a EOS, dando origem aos VENTOS:
ZÉFIRO
BÓREAS
NOTO
PALANTE se une a ESTIGE:
ZELO (ciúme, emulação)
NIQUE (vitória)
BIA (força)
CRATO (poder)
CEOS se une a FEBE:
LETO
ASTÉRIA
PERSES se une a ASTÉRIA:
HÉCATE
D) SEGUNDA GERAÇÃO DIVINA (v. 453 - 885):
Marcado notadamente pelas lutas entre Zeus, em busca do poder, contra Crono, seu pai. Também lutou o “Olímpico” contra os Gigantes e contra os demais Titãs e Titânidas. Para tal peleja, Zeus contou com a ajuda dos Ciclopes, que, além de lhe darem o raio (Arges), o trovão (Brontes) e o relâmpago (Estérope), deram a Posídon o tridente e a Hades o capacete da invisibilidade. Ademais, os Hecatonquiros, uma vez tendo bebido o néctar, foram tomados de tal ímpeto bélico, que prestaram, também, grande ajuda a Zeus.
CRONO se une a RÉIA, de quem nascem:
HÉSTIA, DEMÉTER, RÉIA
HADES, POSÍDON, ZEUS
Ainda da primeira geração, é posta, entretanto, nesta segunda, em que estamos, a união de JÁPETO com CLÍMENE, gerando:
ATLAS
MENÉCIO
PROMETEU
EPIMETEU
Quando EPIMETEU se une a PANDORA (a mulher feita por HEFESTO, o ferreiro, feito este, por seu turno, por Hera, em vingança contra as infidelidades de seu marido), têm início as lutas olímpicas de Zeus.
GÉIA se une, então, a TÁRTARO, dando origem a TIFÃO, de que se já falou. Quando tal gigante é fulminado por Zeus, inicia-se seu reinado.
E) VITÓRIA DE ZEUS (886 - 964):
Ao vencer os obstáculos, Zeus reparte com as demais divindades olímpicas suas honras. Nasce, portanto, a DIQUE, a “Nova Justiça”, não mais a justiça dos deuses (Têmis). Essa “Nova Justiça” é (ou será) o presente que Zeus lega (ou que bem haverá de legar) aos homens.
A primeira esposa divina de ZEUS foi MÉTIS (sabedoria, prudência), de quem nasceu ATENÁ, engolida pelo pai (de cuja cabeça, contudo, veio mais tarde a nascer). Zeus procedera daquela forma graças a um oráculo que havia previsto que tal filha haveria de ser mais poderosa do que o próprio pai. Adiante, sobretudo em Homero, veremos que Atená se torna a filha dileta de Zeus, que, cedo ou tarde, acaba por atender-lhe a todos os pedidos, como que a deixando “solta” e “livre” no Olimpo para fazer o que houver por bem. A propósito, será esta uma queixa recorrente dos demais Imortais, que vêem naquela predileção um estorvo constante a seus próprios caprichos e vontades.
Primeiramente, vamos catalogar as uniões divinas de Zeus, após Métis, que foi a primeira delas, como vimos:
UNIÕES DIVINAS:
ZEUS se une a TÊMIS (lei divina, eqüidade), de quem nasceram*:
HORAS: EUNÔMIA (disciplina), DIQUE (justiça), IRENE (paz)
MOÎRAS**: CLOTO, LÁQUESIS, ÁTROPOS
* Há uma variante segundo a qual, dessa união, também teria nascido ASTRÉIA, deusa da inocência, a constelação de VIRGEM, que se retirou para a Via Láctea - a qual se criara por ocasião do conselho convocado por Zeus aos demais deuses - por causa da decepção causada graças ao estado em que se encontrava o mundo.
** Só agora as Moîras serão personificadas, pois, como se pôde observar, já haviam nascido de Nix anteriormente, na forma de “Destino”, juntamente com MORO e outras divindades (q.v.).
ZEUS se une a DIONE:
AFRODITE*
* Como se pôde perceber, trata-se da variante de que faláramos, segundo a qual a deusa da beleza e do amor não teria nascido (dite) das espumas (afro) causadas pelo sêmen de Úrano jogado ao mar, e, sim, desta segunda geração de imortais, entre Zeus e a Oceânida Dione. O epíteto “Dionéia”, dado a Afrodite, é fruto de tal variante, conforme já havíamos salientado.
ZEUS se une a EURÍNOME:
CÁRITES: AGLAIA, EUFRÓSINA, TALIA
ZEUS se une a LETO:
APOLO e ÁRTEMIS
ZEUS se une a DEMÉTER:
PERSÉFONE (ou CORE)
ZEUS se une a HERA:
ARES, HEBE e ILÍTIA
UNIÕES COM HUMANAS OU COM HEROÍNAS*:
* Retiradas não apenas da Teogonia, mas de relatos de outros classicistas.
ZEUS se une a ALCMENA:
HÉRACLES
ZEUS se une a ANTÍOPE:
ANFIÃO, ZETO
ZEUS se une a CALISTO:
ARCAS
ZEUS se une a DÂNAE:
PERSEU
ZEUS se une a EGINA:
ÉACO
ZEUS se une a ELECTRA:
DÁRDANO, IÁSION, HARMONIA
ZEUS se une a EUROPA:
MINOS, SARPÉDON, RADAMANTO
ZEUS se une a IO:
ÉPATO
ZEUS se une a LAODAMIA:
SARPÉDON
ZEUS se une a LEDA:
HELENA, DIOSCUROS (CASTOR, PÓLUX), CLITEMNESTRA
ZEUS se une a MAIA:
HERMES
ZEUS se une a NÍOBE:
ARGOS, PELASGO
ZEUS se une a PLUTÓ:
TÂNTALO
ZEUS se une a SÊMELE:
DIONISO
ZEUS se une a TAÍGETA:
LACEDÊMON