O Lambretão
Para o meu porte físico, 1.60cm de altura, com pouco mais de cinqüenta quilos, a Lambreta LI 150 dos anos 60 era considerada um lambretão. Pesava mais do que o dono, que tinha dificuldade para levantar a sua dianteira e puxá-la para trás, ao estacionar sobre o seu cavalete. Com o tempo, fui adquirindo maior prática nesse manejo e o seu estacionamento já não era nenhum obstáculo.
Numa região onde ainda não existia nenhuma estrada asfaltada, estava sujeito a algumas quedas nas estradas arenosas e nas enlameadas quando chovia. Tanto a areia solta como a lama provoca o desequilíbrio. Por isso, o cuidado era redobrado quando conduzia alguns caronas, a exemplo da noiva e sogra ao mesmo tempo, totalizando três ocupantes, onde o normal seria até dois.
A colônia agrícola, no distrito de Barreiras, ficava a nove quilômetros de distância da cidade e tinha duas opções de estradas, uma com piçarra e outra apenas com barro e areia, por esta uma distância menor. A escolha ficava a critério do tempo, se inverno ou verão, pois com chuva o barro fica escorregadio. Mesmo após a aquisição desse veículo, não o utilizava para ir ao ginásio, à noite, preferindo ir de Rural Willys, alugada por um pequeno grupo de estudantes. Antes, ia num caminhão, na época o transporte coletivo, custeado pela Comissão do Vale do São Francisco, a instituição federal que administrava a colônia.
O uso da lambreta ficava restrito à locomoção para o trabalho, aos pequenos passeios e a casa da noiva, a cerca de cinco quilômetros. Mesmo exibindo a coragem do sertanejo, um forte no dizer de Euclides da Cunha, tinha medo ao retornar, entre nove e dez horas da noite, passando por um local onde havia uma encruzilhada, que por superstição diziam ser mal-assombrada. Para o homem do interior, encruzilhada era todo e qualquer encontro de dois caminhos. Ali eram apenas duas estradas que se cruzavam. Pelas normas do trânsito, seria natural que ali eu diminuísse a velocidade, mas, pelo medo que o lugar oferecia, acelerava o meu lambretão, achando que assim o “bicho” não ia colocar-se à frente para me atormentar.
Pouco afeito à mecânica daquele veículo, qualquer pequeno defeito poderia me deixar na estrada. Pensando na hipótese de isto ocorrer à noite, procurei me inteirar das correções de eventuais falhas com um irmão mecânico, que me passou algumas dicas. Para tanto, já andava com uma lanterna sobressalente, a fim de que pudesse fazer algum conserto, se necessário. E a necessidade apareceu logo naquele cruzamento, quando eu acelerava para passar com maior velocidade. Quanto mais eu recorria ao acelerador, mais ela ia falhando, até que chegou a parar. O mau pensamento aumentou ainda mais o medo de ficar ali na encruzilhada, na escuridão. Não recorri à lanterna para ali tentar o conserto. Preferi sair empurrando a lambreta até me distanciar daquele local, onde o “bicho” poderia aparecer. Só depois de muito cansado com o peso e mais distante do lugar mal-assombrado, acendi a lanterna para procurar o defeito. Pela dica do irmão, fui de cara com o problema, resolvido com um simples sopro. Um pequeno entupimento, por onde o combustível teria passado normalmente, se não houvesse acelerado fortemente.
Hoje, em ocasiões semelhantes, teria medo de assalto, não daquele “bicho” que só existia no pensamento, levado pelo misticismo que ainda reina nas diversas culturas do povo brasileiro, principalmente pela influência africana. Pelo menos até hoje nunca se teve notícias de que o tal bicho já matou alguém. Assim, até preferia ainda ter medo daqueles bichos e que não existissem os assaltantes, que matam verdadeiramente sem nenhuma piedade. Que a minha lambreta ainda falhasse naquela encruzilhada, mas que meu carro nunca falhe num cruzamento de uma cidade grande, onde os assaltantes estão na espreita para cometer o delito.