A via-sacra de um homem só
Marquei minhas lembranças a fogo
No cume da minha memória
Onde as águias represam sonhos
E a liberdade bate asas.
No dia que fui embora deixei aqui muitos amigos. Alguns carreguei no coração. Outros, adejaram em minha órbita e trouxeram outros amigos, alguns que tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Dos que foram comigo, presos ao peito, dois já não batem asas sobre esse chão de muitas estrelas e astros de luz própria. Infelizmente cumpriram precocemente sua missão na Terra e os deuses precisaram de suas inspirações.
Assim, que posso dizer sobre mim que não cause melindre? Sou um homem desimportante, cheio de dores no peito, e que volta mais triste do que no dia que partiu. Como disse o douto Ricardo Camacho, poeta clássico do Recanto, sou apenas um hipossuficiente e frágil sofista ante o verdadeiro Filósofo.
Ou, como disse Sócrates: Só sei que nada sei.
OS SAPOS
Manuel Bandeira
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...