Ser muito legal
Depois de um longo tempo, voltei para um cantinho construído pedacinho a pedacinho, ao longo de muitos anos, no balneário de Iriri, Espírito Santo. Devagar, pequenas plantinhas de verde frescor, árvores frutíferas, grama, foram dando forma a um grande jardim ... e o resultado de tanto trabalho é um recanto maravilhoso, com mangueiras cheias de flores – que logo tornar-se-ão frutos - sombreando o calor do sol daquele lugar. Mas a vida pregou peças e seguiu outro rumo. E o meu cantinho, que me acolhia em momentos especiais e outros nem tanto, ficou lá, abandonado durante dois anos.
Pois é. Conheci o Pinduca, um rapaz pequeno e magro, de lindos olhos brilhantes e a sua morena e linda companheira, Maria. Um problema físico o impede de exercer profissões que exijam maior esforço. Então, Pinduca veio viver lá na Casa do Morro, como eu a chamo. Já que estavam no comecinho da vida de casados e cheios de sonhos, poderiam ficar lá, “tomando conta” do meu pedaço de chão. A vida corria na cidade, eu tenho o meu trabalho e continuei afastada do lugar. Enquanto ela trabalhava na cidadezinha, ele cuida da grama do cantinho. As bananeiras na colina estão cheias de cachos! E assim, o casal foi ficando... feliz e com aquela humildade que só se encontra em pessoas assim, tão especiais, como os dois.
Neste final de semana prolongado, tomei coragem e fui para lá, com minha Nina, companheira de alguns centímetros de tamanho e um latido que nem eu conhecia, até chegar em Iriri! A danadinha jogou até bola na grama do lugar! E eu, nova menina metida a fazer versinhos, arrumei a mesa na varanda com papel à vontade, canetas e lápis e um monte de sonhos para escrever. O som dos sertanejos, que eu adoro, se espalhava baixinho no lugar frio de dar dó. Pinduca só ficava de longe, assistindo à minha doce solidão.
Mas a visão mais linda, mais inusitada, veio na hora de voltar para Vitória. Meus amigos e eu estávamos arrumando as coisas e aquele rostinho humilde aparece na janela, com um disco do Fagner nas mãos.
- Dona Sonia, será que eu podia ouvir este cd enquanto a senhora arruma as coisas? Eu não tenho som e queria demais ouvir umas musicas aqui...
Fomos lá e colocamos o disco para ele.
O que presenciamos a seguir foi simplesmente uma cena de pura emoção, de beleza e humildade, de amor guardado dentro do coração, aquela paixão que fica, que entra dentro da gente...e que não sai... Pinduca, sentado no chão, ouvindo a musica, colocou as mãos e a cabeça sobre os joelhos, em sinal de pura contrição, ao deixar-se enlevar pela musica dentro de si.
E quando levantou os olhos, vimos um menino com lágrimas descendo sobre a face e um sorriso – sabe, aquele... quando a gente chora de emoção...
Vim embora e deixei o som lá, junto com os sonhos de Pinduca.
(Iriri-ES, 9 de setembro)