O Devir das Coisas

[O Devir das Coisas]

[Memórias do chalé amarelo]

No tempo em que a vida estava toda à frente, a pobreza da gente era feita de singelas mesmices. Na hora do almoço, feito só de alegrias, eu vinha de minhas correrias pela rua, e lá estavam, na chapa do fogão de lenha, aquelas panelas de ferro que vieram da minha avó; alimentaram-me, pois, antes de eu nascer!

E uma prateleira de cinco tábuas de madeira escura, sempre bem lavadas com areia e sabão, era o que bastava para acomodar os pertences dos serviços da cozinha. Os alumínios eram secados no jirau do quintal até estralar, brilhantes de ferir os olhos, ao sol da tarde.

A tesoura preta passou por inúmeras mãos, deu tantos talhes nos tecidos de tear, picou tanta coisa, durante tanto tempo, e agora cortava papel para os meus papagaios.

A régua de bálsamo que foi à escola com meu avô tinha uma data do ano de 1895 entalhada à faca — chegou até a minha carteira do Grupo Escolar!

E na antiga caixa de cobertas, onde se misturavam o cheiro do algodão cru e a essência da madeira de lei, uma caixinha de papel continha as nossas mais caras lembranças.

Nossa vida era feita de coisas assim, sólidas, eternas, objetos vindos de tempos dos quais nem nos dávamos conta; crescíamos com aqueles elementos à vista de nossos olhos descuidados!

As coisas simplesmente essenciais bastavam-nos; de mais nada sentíamos falta, e mais nada queríamos trazer para casa.

[Ah, que saudade de quando eu não pensava em acumular!]

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Da minha coletânea Araguaris (Narrativas Poéticas), ilustrada por Paula Baggio