Atada ao prego afundado na parede descascada da cozinha,
a pesada janela mostra a sua face de madeira limpa,
crestada pelo arco oeste do sol e lavada pelas chuvas de vento.
Velhos umbrais por onde, todos os dias, irrompem
as tramas dos aconteceres do meu mundo:
o arrastar das alpercatas do Seu João Vermelho, o velho rezador;
o grito da vizinha que pede emprestada uma xícara de açúcar;
a notícia anunciada lá da rua de trás sobre o comício
[de um político;
a lonjura do voo dos urubus captada pela visão distraída;
o cumprimento esmorecido do trabalhador que deu
[duro no curtume;
a poeira do carro de praça que se distancia avenida acima
levando alguém que deixou apenas a promessa de voltar;
o triste aceno de mão depois do beijo de despedida;
da avenida sonolenta, o sino alegre do padeiro;
do quintal, o verde-esperança da goiabeira florida,
e da mão estendida do carteiro, a carta alvissareira!
Mas ali naquela janela do meu chalé amarelo,
por vezes, os cotovelos sustentam pensamentos...
Pensamentos transfixados pelo vazio da rua parada,
anseios escoados da mirada lacrimosa
de olhos que olham, olham... sem nada ver!
E no entardecer chuvoso e frio,
quando o escuro da tempestade
transmuta em tristeza a luz do pendente,
as chamas do fogão, gumes lancinantes,
rebrilham na face escura da janela fechada,
a face que só aparece nas horas más;
a face coberta de picumãs,
aquela que cerca o meu olhar
e deixa lá fora um mundo de possibilidades!
[Penas do Desterro, 25 de junho de 1999]
[Do meu livrinho “Arribadas, O Passo da Volta”]