[Memórias do chalé amarelo - Araguari – MG — Na avenida Minas Gerais, a boca destampada dos ventos de agosto...]
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Escuto... é o vento!
Na solidão da imensa avenida,
sopra mistérios antigos,
vozes que há muito já não se ouvem mais.
Feito um chicote de finas partículas,
o vento açoita-me o rosto,
e uma toada antiga chega aos meus ouvidos.
Paro, apuro o ouvido e olho para trás,
não adianta procurar a fonte dos sons,
parece vir de todos os lados,
ou vem de onde vem o vento.
Os meus olhos lacrimejam com a poeira...
Caminho pelas trilhas das águas da estação passada.
Aqui e ali, despontam raízes, tocos,
e os cacos de vidro, presos na terra seca,
rebrilham a luz do sol em meus olhos.
Eu, menino, o que procuro? Por que ando?
Busco os restos revelados pela vertiginosa passagem das águas,
restos que agora se esturricam ao sol de agosto.
E os sons do vento em meus ouvidos,
o vento eternal que levanta redemoinhos
na silenciosa avenida, o que me dirão?
Ali, no fundo de um poço seco, as encontro;
são elas que as minhas mãos de criança buscam.
Roladas pelas águas, essas pedras
que mal cabem em minha mão,
escondem sob a feia superfície ocre,
sob as microrreentrâncias cheias de barro seco,
cores lindas que se misturam na areia
em que se desfazem quando batidas umas nas outras.
São as pedras de areia...
Viajaram na torrente até chegarem ali,
e agora, entrechocadas pelas minhas mãos,
se desfazem em finíssima areia multicolorida.
[Por essa areia que torna os seus alumínios em espelhos,
as mulheres me darão alguns trocados
para eu comprar alguns doces].
Sinto-me como uma daquelas pedras,
batido pelos ventos e rolando sem destino,
em meio aos sofrimentos que alisam minhas arestas.
Errante serei até que a mão inexorável da natureza,
inextricável e atroz condenação, me faça tornar ao pó.
E assim, como as pedras de areia,
espalharei minhas cores pelo mundo,
e alguém que sinta na alma
a solidão de uma enorme avenida,
escutará o assobio do vento que sopra
as minhas partículas e canta a minha toada.