[Memórias do Chalé Amarelo - Araguari - MG]
No terreiro do chalé amarelo,
era tanto o que fazer,
tanta novidade o mundo punha nos meus sentidos,
que o dia infinito custava a deixar a tarde chegar.
Mas de repente, no calor das três horas ensolaradas,
blem, blem, blem!
Era o sino do padeiro; de todas as casas,
largando tudo que estavam fazendo,
acorriam, velozes, punhados de meninos descalços,
agora, o mundo era feito de pão doce e pão-d’água!
Paciencioso, o seu Benedito sofreava o cavalo castanho,
batia para trás o chapéu de feltro marrom,
olhava em volta, apreciando a expectativa da meninada,
e descia devagar para abrir a tampa da carroça.
A visão daquelas gostosuras todas dava água na boca da gente,
e o aroma dos pães transformava a tarde em pura alegria!
Atônito, o padeiro procurava pôr alguma ordem
no enxame de meninos que fervilhava ruidoso,
parecendo abelhas atraídas pelo creme amarelinho do pão doce.
Três pães envoltos em papel pardo,
preso nas pontas pelos hábeis dedos do padeiro,
volteavam rápidos no ar seguidos pelo vaivém do meu nariz.
Sem desmanchar as orelhinhas torcidas do papel,
minha alegria corria com os pães para o chalé amarelo.
Na chapa do fogão de lenha,
o bule, com descascados escuros no esmalte verde,
largava no ar, num frouxo vapor, o aroma do café.
Sobre a mesa nua, a nossa saborosa singeleza,
a manteiga para lá, o leite para cá, os pães no meio,
e as nossas chávenas de louça branca, ajeitadinhas
no retângulo familiar que era distribuído assim:
o irmão mais velho ficava numa ponta,
eu e minha irmã nos lados, um defronte ao outro.
E na outra ponta, com as mãos derramando amor,
a suave mãe da gente, com vestido ramado,
esquecendo agruras da viuvez,
olhava, enternecida, a filharada barulhenta
e dividia o seu afeto em pedaços de pão
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Do meu livrinho "Araguaris(Narrativas Poéticas)" - Ilustrado por Paula Baggio - apresentado no MNBA, Rio - 2001.