[Entardece no Arraial do Barreirão... Caminhos de Araguari - MG]
O sino rouco que me entardece
toca repicando antigas plangências
capturadas pelos meus sentidos,
memorações que para sempre ficarão.
Na montanha que azula ao longe,
a estrada de cascalho branco
que serpenteia, erma, pelas encostas,
é o caminho onde lua escreve mistérios.
A gameleira, de dia, o refrigério da sombra,
de noite, a copa cheia de assombrações.
A revoada de andorinhas na torre da igrejinha
anuncia uma liberdade além das montanhas azuis.
A ave-maria que se evola para o alto
conduz-me ao infinito e me convence
de que o céu é tão bom, tão bom
que até me dá vontade de morrer!
O campanário da igreja é a visão solitária
do viajante que para e espia, do alto da colina,
o lugarejo onde a vida — ainda bem! —
não tem possibilidade alguma de mudar.
Para quem toca o fenômeno desse sino?
Toca para aqueles bois carreiros
apenas descangados da lida,
e para o burro já liberto do arado.
Toca para onde se perdem os sentidos,
para o aberto das invernadas,
de onde, o gado manso retorna
numa melancolia de passo lento.
Toca para o cavaleiro
que esporeia o animal
na ânsia de apressar o passo
para não chegar de noite.
Toca para a corredeira do corgo
que cantarolou alegrias o dia inteiro,
mas agora, nas sombras do entardecer,
murmura-me os medos da noite.
Toca para alongar a espera ansiosa
por quem ainda não chegou da cidade...
Toca até mesmo para quem nem liga
para o choro do toque do sino.
No arraial que escapou das águas brabas,
ainda o sino tocará como antigamente,
chamando a todos para o concerto
eternamente impossível de Céus e Terra!
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[Penas do Desterro, 20 de março de 2001]
[Excerto do meu Caderno 4]