[Memórias do Chalé Amarelo – Araguari - MG - A mineralidade que me fala....]
Tripulada pela minha alma pensativa,
esta inquieta máquina de eu viver
caminha seus vagares sobre as pedras
das ruas da antiga cidade que me pariu.
Segue assim, feito um mascate incansável,
regateando sentidos com as casas, os muros,
a cruz da igreja, os bancos da praça, o açougue,
o bêbado caído na porta do Bar do Adelino,
o apito do trem que parte pra São Paulo às 17h15,
o funcionário laçador de cavalos vagantes,
o enterro de pobre a subir a Rua do Cemitério —
coisas dessa minha quase indizível mundividência!
Sob os meus passos, as pedras... umas pontiagudas,
outras, lisas de lambeduras, aptas para os tombos rápidos;
e fora da rota das habitualidades, as pedras limentas
que ocultam segredos das coisas vigentes no passado!
Mas a pedra onde serena o meu entardecer,
a pedra que não admite encaixes fáceis,
a pedra de um estar só, sempre só,
a pedra onde as noites choram o orvalho,
esta, que a enchente do tempo não arrastou,
esta mineral prepotência de ser única,
este tropeço no retroceder de meus passos,
só podia mesmo ser aquela pedra original:
a pedra angular no vértice da casa da infância, de onde,
em ânsias de saber e vencendo a incerteza das bifurcações,
o meu olhar tenta, insiste e constrói, pedra a pedra,
as significações do meu tempo-ser neste mundo.
[Penas do Desterro, 06 de novembro de 1998]