Com o passar dos anos, você não precisa ser gênio para perceber que pessoas comuns são capazes de atitudes geniais: você mesmo acaba fazendo uma ou outra caridade sem necessariamente ser um altruísta; vez ou outra cede à vontade do outro e consegue disfarçar a sua contrariedade, sem que isso o torne uma pessoa ponderada.
E tem muito mais: flagra-se com um grande nó na garganta, até que não se contenha e as lágrimas desçam, sem que se torne propriamente alguém sensível; você externa agradecimentos, mas mantém a consciência de que são apenas palavras para abreviar o instante e que, de fato, não existe ali nenhuma gratidão; dá "graças a Deus" ou invoca o Santo Nome, repetindo o chavão de outros, sem que isso seja necessariamente uma expressão de fé.
Com o passar dos anos, você se depara com todas as experiências e descobre que suas dúvidas aumentam: testemunha o bem insistentemente levando a pior nos confrontos com o mal; testemunha, por vezes, gente tachada como má sendo tolerante, inclusive em conflitos provocados por gente costumeiramente proclamada como boa... Se, para alguns, isso parece equilíbrio, para muitos, com o passar dos anos, até o equilíbrio pode resultar num maçante zero a zero e tornar totalmente enfadonho o nem sempre empolgante campeonato da vida.
Com o passar dos anos, você fica mestre em dissimulação. Protegido pela idade e favorecido pela frouxidão e pouca personalidade dos que lhe cercam - que confundem idade com maturidade, velhice com idoneidade -, você passa a usar e abusar de certos truques: prega insistentemente princípios e retidão de caráter para despistar os olhos de quem poderia notar suas corriqueiras desonestidades; denuncia, julga e condena com facilidade os deslizes alheios, sugerindo severas penas aos infratores, sabendo-se ter cometido inúmeras vezes deslizes iguais ou ainda mais graves.
Com o passar dos anos, às vezes você fica muito menos útil e muito mais perigoso para o mundo e para si mesmo.
É com o passar dos anos que você percebe que a juventude é ousadia sem experiência e que a velhice é experiência sem ousadia.
São Paulo, 18 de novembro de 2013 – 19h54