DO ROSSIO À RUA AUGUSTA

Publicado por: Manuel Marques
Data: 26/06/2007
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Créditos

Autor: Manuel Marques Voz: Manuel Marques Reconstituição livre de 10 minutos diários da minha vida durante 3 anos...
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Do Rossio à Rua Augusta

Insinuantes saias

formas de perfeição escondida num artefacto

acessórios de beleza, esperteza e frieza

arregalo os olhos perante a singeleza delas

o trivial que nunca sabe a normal

sentidos meio atordoados do sono recente

pouco aconchegante, pouco aquecido de fervor

Apenas me lembro da saída do comboio

da passagem pelo túnel a cair de podre

olhos arregalados para uma tragédia?

Não, apenas para a chegada

para a fuga aos odores nauseabundos

para ver as saias subidas

no trivial que nunca sabe a normal

E depois dou um jeito nas calças de fazenda

na gravata barata de supermercado

puxo os óculos para cima

e finjo que nem vejo as saias

antes as golas subidas

as formas enternecidas

trespasso-as e elas nem me olham

apenas indiferença, ou talvez cio

É tempo de descer as escadas rolantes

o cheiro pestilento

faz lembrar o mesmo de todos os dias

e todos, os mesmos dos cinco dias da semana

dos súburbios mais ou menos sujos

descemos

nas calças de fazenda

nas saias subidas

no cio para o Rossio

Ah o cheiro dos Restauradores

o fumo inalado dos escapes

da Avenida que ao perto mostra a sua fama

de mais poluída da Europa

diria que do mundo, do meu mundo

e os sapatos de marca esquisita

pisam o chão na confusão dos semáforos

Mas não, hoje não vou descer ao Rossio

saio aqui a meio, onde os pombos dormem

onde a merda dos sem abrigo tresanda

por entre as calças de fazenda

e as saias subidas

vou passar ali mesmo em frente à casa de strip

em descanso matinal,

para o febril rebuliço nocturno

que não vou desfrutar

E as escadas desço-as

pensando no dia em que desço de vez

chegando lá abaixo em cacos de existência empedernida

lanço um sorriso perante a ideia

e a saia lá sobe um pouco mais

e quase que caio para cima dela com a excitação

da ideia de ficar partido em cacos

Ah então cá vou eu a caminho do buzinão

do fumo dos tubos de escape

humanos e com carroçaria

cavalos únicos e também de muita potência

em frente uma livraria

mas a má disposição não permite esperar

ver o mesmo do dia anterior

como as saias subidas que já perdi de vista

e convém não desviar do caminho

o tempo é curto e pode não haver tempo

para a dose de cafeína matinal

para o copo com água desinfectada

O tempo é de ouro, ah a Rua é a do Ouro

apenas a tempo de me desviar para a esquerda

cuidado com os presentes dos canídeos

com as subidas e descidas do passeio

da calçada bela

e lá está a Rua Augusta

e ao longe o Arco

Há uma Igreja perto

por entre uma rua movimentada

onde os crentes stressados abrandam as vontades

de matar, esfolar e maldizer

para depois seguirem com a mesma vontade anterior

mas não é para a Igreja que eu vou

entro, então e choro por dentro

sorrindo para todos os que me rodeiam

apesar do Arco triunfante do meu lado esquerdo

estar cada vez mais sujo

e cheio de vendedores ambulantes

que até transaccionam à vista dos que não precisam de ver

E adeus que se acabou a história

já vem a polícia lá ao longe

virão buscar-me?

Ah pois, as saias subiram mais onde não deviam …

Manuel Marques
Enviado por Manuel Marques em 04/04/2007
Código do texto: T437665
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