Sempre quis começar o dia com algum tipo de felicidade
viajar pelas ruas sujas de seringas usadas à tua procura
caída nalgum canto à procura de uma morte rápida, menos indolor
que a vida gasta. mas segui sempre indiferente ao destino
e à entrada do teu pesadelo virava sempre as costas, cobarde, longe
da consciência, do sentido de dever, das constelações de merda e
da futilidade em que se havia tornado a vida das pessoas, seguia, ia.
E tu vendias os restos inglórios em que se havia tornado o teu corpo,
abandonado pela alma que já morava em mim e não te queria saber.
De qualquer forma uso as palavras e digo que sim, que tudo fiz
que tentei tudo o que podia por ti. e ao chegar à tua rua de amargura,
virei as costas, disse ao meu medo que não te conhecia
para não cair no saco roto das consciências imberbes, podres.
E um dia pus uma pedra no assunto, fiz de conta que não era nada o que nos unira e lá
apareceste numa página de jornal sensacionalista
como um peso de que a sociedade se livrara, virei a página e segui.
Quantas vezes se vira a página e se segue?
Como é fácil viver sem essa consternação,
ignorando a vida com a cabeça escondida na areia,
onde inúteis, nos refugiamos.
in o medo do dia seguinte, magna editora, 2007