Éden

Em algum ponto da estrada perdemos nossa inocência.

Começamos bem, até. Queríamos ter tudo, queríamos ser tudo, e acreditávamos sinceramente que seríamos. Teríamos a felicidade. Continuaríamos brincando mesmo depois de adultos. Seríamos livres, educaríamos nossos filhos de maneira diferente, não poluiríamos o planeta nem seríamos tolerantes com a injustiça. Salvaríamos o mundo.

Rezaríamos todos os dias para o Papai e a Mamãe do Céu. Conversaríamos com nosso Anjo da Guarda.

Praticaríamos uma boa-ação todos os dias. Juramos ser bons.

Nossos juramentos eram coisa muito séria.

Juramos amar eternamente. Nunca haveria ninguém mais feliz, nem espelho mais perfeito que o casal que formaríamos. Amar seria natural, acreditar era fácil. Trocar olhares seria sempre motivo de orgulho. Inventaríamos novos carinhos. Faríamos sexo de um jeito só nosso, e seria bom e límpido como tudo era límpido e bom.

Teríamos um ao outro sem que o nosso ter significasse possuir.

Mas, em algum ponto da estrada, nós nos distraímos.

Faríamos muitos amigos e nos daríamos bem com todos eles, mas um dia nós nos descobrimos de cara amarrada.

Acabamos falando a frase errada na hora errada. Então, sacudimos os ombros, fora só uma frase. Nem percebemos que alguma poeira foi ficando pelo caminho.

Quisemos mudar para a fila ao lado porque ela parecia andar mais rápido. Certa vez, quando ninguém reparava, ousamos burlar a fila.

Sabíamos que Deus nos perdoaria.

Tínhamos tanta certeza de que Deus nos perdoaria que esquecemos Deus, esquecemos qualquer deus que pudéssemos ter.

Um dia, sentimos vergonha de nossos corpos. Cobrimo-nos. Culpamos a idade, as rugas, os cabelos desgrenhados.

Culpamos. Culpamo-nos.

Duvidamos de nós mesmos.

Tivemos medo de que o amor pudesse machucar. Sem perceber, impusemos condições ao amor.

Descobrimos que o medo pode machucar.

Quando a noite chegou, demoramo-nos decidindo o que fazer. E, ao concluirmos que precisávamos um do outro, era tarde, já estávamos distantes.

Agora buscamos, na estrada, a bifurcação onde nos separamos. O medo se instalou e dura mais que a noite, não sabemos se esperamos, voltamos ou seguimos. Talvez nossos caminhos se reencontrem, talvez o amor esteja lá atrás, na encruzilhada, em busca de uma segunda chance.

O remorso, com seus pés de curupira, quis tomar o lugar da esperança.

Mas, em algum lugar do coração, continuamos acreditando em nós como uma unidade, em nosso caminho como um caminho. E assim seguimos pela estrada, convencidos de que um dia, nunca tarde demais, descobriremos o que foi perdido, diremos o que não foi dito, e seguiremos, de mãos dadas, mais fortes e mais seguros para quando a noite voltar.