DICOTOMIA DO SILÊNCIO
Houve um tempo em que fomos inocentes de palavras, lembras-te?...
O silêncio, trémulo, quase a medo, encostava-nos os corpos arados de fresco, e os olhos calavam-se, em sede de saber-se a fundo, de tactear-se, de só sinalizar o momento em que se abria um beijo...
Nos nossos silêncios, a palavra era escrita em toques sensíveis, à luz de um olhar que era dos dois, e as tuas mãos, as tuas mãos, colhiam os sentidos frescos e tingiam de rubor a minha pele pronta. Pronta a ser pétala de papel, onde o amor se deitava em poemas calados fundo...
Era o tempo em que o silêncio era nosso...
...
Há um tempo, agora, em que somos do silêncio...
Culpados de palavras, estorvam-nos os sons repetidos de nos sermos, dois em dois, e ensurdece-nos o choque das tréguas combinadas.
Recolhemos ao silêncio as palavras deflacionadas, por força do prolongar.
A contenda antiqua-se, as armas obsoletam-se, e o refúgio-silêncio toma-nos, na voracidade da queda...
Rasga-nos, em ranger seco de lâmina enferrujada, e o risco que nos marca é só, só, uma palavra desaprendida:
"Amo-te (?)"