PORTUGAL, 25 de Abril do Ano da Graça da LIBERDADE
Naquele dia acordei, estremunhando espantos dos meus catorze anos de menina.
E vi que o céu era azul, para lá das nuvens que o censuravam... (e agora, o que fazer de tanto azul?).
Fez-se festa. O Povo fez a festa. Saíu para as ruas, enfeitou-se de cravos vermelhos, gritou liberdades, prendeu as nuvens... (e agora, o que faço dos meus direitos? - imponho-os?; e que faço dos meus deveres? - saneio-os?)
Eu quis ver, quis saber. Mas o Povo empurrava-me, o caminho era em frente. E à frente havia espaço, difuso, desconhecido... ainda que azul. Como o céu de Portugal, numa manhã de Abril. O Povo empurrou-me, a sede era muita, a água era livre, armazenada por tempo demais. Os depósitos rebentaram, jorraram júbilos que me levaram no turbilhão, sem me dar tempo a entender-me, a posicionar-me, a preparar-me. E fui, na torrente, bradei povo unido, dei as mãos às gentes, cantei gaivotas, semeei esperanças nos campos de trigo, do Povo, colhi papoilas nas messes de pão, do Povo. Só não sabia o que fazer com elas, senti-me perdida, na seara ondulante... Como todo o Povo, a quem ninguém tinha ensinado a cor da Liberdade.
E brados diziam que o certo era "facho"! O correcto era revolucionar, atirar pedras, revolver pedras, mais que ser irreverente, ser do "contra". E eu não conhecia o outro lado do "contra"... Quem conhecia?, o tempo era de descobrir...
Foi um tempo-vendaval, um tempo preciso, necessário. Cometeram-se erros, construíram-se alicerces, instituíram-se caminhos... O Povo soltou-se, ganhou asas, gerou voos férteis, entre trambolhões, empurrões, ilusões e desilusões...
E aprendeu que o azul também traz responsabilidades... Abra-se o Sol, sim, mas há que o repartir. Derrubem-se as nuvens, sim, mas reguem-se os canteiros. Levantem-se vozes, sim, mas calem-se ácidos. Ousem-se voos, sim, mas respeitando o espaço do outro. Escolham-se estandartes, mas com consciência e responsabilidade...
E mesmo assim, será que basta?... Ou será que é possível? Nos sufrágios orados no Templo da Liberdade, os deuses estiveram, estão ou estarão à altura do inocente querer do Povo?
Chove ainda, em Abril, em Portugal... Desígnios dos deuses...
(Reminiscências de um tempo em que fui geração de Abril)