CARTA À MINHA VIDA

Ai, Vida minha!...
Quando eu penso que te entendo, que o quase meio século que já me deste me serviu de escola... vens tu com novas actualizações que me obrigas a rever... e eu fico tão confusa como quando me lançaste aos lobos! (Pois, tu sabes que me lançaste aos lobos, sabes... mas quem me mandou a mim vestir a pele de cordeiro?...)
...esquecendo águas passadas, que o avô do lobo ainda por aí anda... 
Porque me ensinaste, Vida, pelo cansaço da experiência, que a verdade nunca está só de um lado?... Que a culpa nunca é modelo exclusivo, que é trapo dividido pela pobreza da razão??... Lembras-te? Foste tu que me ensinaste, sim! E eu, ciosa do meu saber empírico que ganhei com muitas lágrimas, rezei o terço do sacrifício e (de)penei essa verdade aos quatro, perdão, cinco, sentidos...
"Ah, a verdade nunca é pura, a razão nunca é fiel..." , "A culpa joga sempre dos dois lados, desdobra-se no e do reflexo do outro..." ...
E, nesse mito, fui levando a culpa às costas, às custas, às cestas (cheias...)...
Mas afinal Vida, afinal, não é bem assim!...
A verdade que me escondeste, ou que eu não aprendi por burrice, é que A RAZÃO ESTÁ SEMPRE NO LADO DO MAIS FORTE!
Pobre de mim coitada, perdedora no jogo da Vida... Além de me perder, ainda perco o direito a ter razão, porque o vencedor tem o poder absoluto sobre ela, domina-a, manipula-a, e o mais fraco... limita-se a carregá-la às costas, sem direito a caminhar erecto... ou arrimar a coragem de erguer-se porque se acha réu de natural direito...
Porque tu, TU me convenceste, Vida, que a culpa nunca está de um lado só!...


P.S. Está bem, está bem... Ela está DO lado do mais forte, não NO lado do mais forte... (ah, vai dar ao mesmo, para que é que ela se deixa subornar?...)