Monólogo diante do espelho
“O homem não foi feito para a derrota...
Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado.”
(Ernest Hemingway, em “O velho e o mar”)
Não reconheço essa figura que passou a habitar os espelhos onde me procuro numa busca vã. De quem são esses olhos fundos de fadiga e vazios de esperança? Que emboscadas no caminho rasgaram nessa face tantas marcas de expressão que nada exprimem? Não! Não assumo que esse sou eu!
O vigor da juventude esvaiu-se, em boa parte, nos embates que buscavam os sonhos; sonhos que outrora eram o futuro. O futuro é hoje e os sonhos... Ah! Os sonhos! Em sua grande maioria, na alquimia do tempo, temperados e cozidos nos cadinhos da frustração, transmutaram-se em grotescos desencantos.
Com o desenrolar dos capítulos da vida, os desejos ganharam corpo e essência como um vinho num tonel. Mais vivida, a imaginação é tanto mais sábia. Porém, o metabolismo da matéria já não responde com a mesma presteza aos impulsos do que se inventa ou aos rompantes do que se almeja. A experiência é um tipo de sabedoria que mostra tudo que poderia ter sido feito quando se era inexperiente e, agora, de pouco me serve, a não ser para dar conselhos a ouvidos surdos.
Não sou tão velho para ter o respeito que se atribui àqueles que conquistaram os galardões de uma vivência mais extensa. Nem sou tão novo para ter a aceitação de um mundo em que ser jovem é fundamental. Maldição da meia-idade: velho demais para conquistar; novo demais para desistir.
Arrependimentos? Tenho alguns. Mas não o remorso da covardia, porque arrojei-me. Tampouco o ranço da abstinência estéril, porque ousei. Menos ainda a culpa da hipocrisia, porque fui sincero naquilo que abracei. Mas o sucesso não se consolidou totalmente e assim me pergunto: Onde errei? O que fazer? A que buscar?
É certo que pouco tenho que me dê orgulho e, ainda mais certo, que nada existe que me dê vergonha. Mas, sinto que em parte falhei e, o pior de tudo, é que não há ninguém a quem possa pedir perdão. Minha ascendência ficou sábia demais para me condenar. Minha descendência é jovem demais para me perdoar.
Neste instante ilusório, a vida me parece uma seqüência interminável de dias que se arrastam em direção ao fim; sem propósitos de longo alcance; sem esperanças de grande realização; somente com a amarga presunção de que amanhã será sempre o mesmíssimo dia.
A figura no espelho, em silêncio, foi quem me disse que estou quase destruído. Do outro lado estou eu respondendo: mas não derrotado!
Ainda me resta a vontade de viver e sempre haverá escondido um sonho por ser realizado!