Confissões de um homem triste

Confissões de um homem triste



Admito que vivi a vida que desejei. Não me economizei! Fui um perdulário de esperanças e me gastei em troca de sonhos que se desvaneceram na falsidade do mundo. Estou fechado para um último balanço e me percebo falido pela absoluta falta de mim. O que devo ser é muito maior do que o que posso ser.


Lucros e perdas: lucrou quem arrancou os maiores nacos de minha ingenuidade; perdi eu, que absorvi a maliciosidade alheia sem pensar.


Gostaria de dizer que estou arrependido, mas não posso. Como posso me arrepender de ter tentado? Como posso me arrepender de ter arriscado? Como posso me arrepender de ter ousado?


Sinto que, por isso, estou sendo punido. Pois que se me privam todos os básicos benefícios de uma vida banal.


Sinto falta de muita coisa... Já não tenho um lar. 


Posso guarnecer minha casa com móveis, utensílios e decorações domésticas. Mas não posso ter o conforto do aconchego de um lar.


Posso agregar cães, gatos, pássaros, peixes, plantas e flores. Mas não posso ter vidas humanas pra repartir risos e lágrimas; abraços e afagos; e a certeza de que as cadeiras em volta da mesa são a representação de pessoas certas que vivam no lugar.


Posso ornar cada canto com oratórios e santuários. Mas não posso cultivar a fé num Deus que não habita meu coração amargurado pela solidão e o abandono.


Posso ir aonde quiser sem dar satisfações a ninguém e voltar pra casa quando e como bem me aprouver. Mas não haverá ninguém me esperando pra quem eu possa voltar.


É certo que o mundo é repleto de pessoas boas e fantásticas e algumas, talvez, até gostem realmente de mim. Mas nenhuma delas convive comigo; o que tenho são visitas.


Antigamente, as histórias eram bem maniqueístas e, no final, os bons eram recompensados e os maus punidos. Sinto que na história de que participei até agora - chamam de "vida" - sem perceber eu fui vilão e não herói.


Porque o que define os heróis e os vilões não são suas intenções, mas sim, os resultados de seus atos. Os vencedores são os nobres; os perdedores os inescrupulosos.


A punição clássica dos vilões sempre foi: ou a loucura, ou a morte.


E eu já cansei de ficar louco...


Quiçá na morte haja uma última esperança de ter pra onde ir e pra quem voltar.