SENDA NA ESCURIDÃO

Ele está presente, ainda que se mostre ausente. Mortinho por agarrar-se a mim, enlevar-me, elevar-me, levar-me para o mundo atrás dos sonhos...

Deito-me com ele, aconchego-o a cada milímetro da minha pele, cubro-o de lençol e pálpebras... e entrego-me...

Ah, mas que é feito dele??... Escapou-me, felino, forçou-me as pálpebras tão carinhosamente fechadas sobre ele, abandonou-me!...

Rogo-lhe o abraço, finto-lhe o espaço, aumento-lhe o tom do escuro, diminuo o som, aperto-lhe mais um furo...

...mas nada!!

Volúvel, esconde-se nas pregas dos lençóis, nas covinhas da almofada, numa clareira da escuridão, onde me desenha jogos intrigantes de menino a brincar de fantasma...

Levanto-me, desvendo-lhe o silêncio, aceno-lhe com leite doce, lavo os lábios em água fria, respiro fundo, persigo-o até à cama e recomeço:

Agarro-me a ele, como gata ciosa, faço-o sentir a macieza da entrega conto-lhe uma história de embalar...

...conto-lhe contos...

...contas do rosário...

...nada!...

...carneirinhos...

...1,2,3...

Nada.

Perdi a conta e ele ri-se de mim, quer brincadeira, mas, valha-me Deus, a esta hora!?...

Soa-me a escárnio, estou prestes a zangar-me, salto da cama, enfrento-o! Queres guerra?? Seja!!...

E saio, para as entranhas da noite fria, deixo-o fechado à chave, amolecendo, sozinho, desdenhado, a cama quente. Desisto dele.

Talvez, talvez, na esquina eu O encontre. Aquele que espero, Aquele que me há-de levar ao mundo atrás dos sonhos:

O meu sono perdido...