As palavras de mim que recolho no ar, no Sol, na Lua, nas formas das nuvens, nas horas agônicas,nas tempestades do mar à distância, no dia norueguês, que brilha à meia-noite, no combate do qual não me lembro, na canção medieval que não compusemos,no farol vermelho que me estanca a pressa,na voz das janelas acesas na alta madrugada, no lamento dos cães acorrentados,no choro das crianças pequenas em seu primeiro dia de aula, no grito de GOOOOOOL travado na garganta,na foto de desconhecido no álbum de retratos da família,na mão no escuro que se estende para outra,no sumo doce do fruto a escorrer pelos cantos dos lábios, nas primeiras flores de primavera sobre os campos estrangeiros, no perdão possível, no galope solitário de cavalo selvagem,no cansaço de vulto que se oculta atrás da cortina,nas lágrimas sobre a face, na prece silenciosa do monge, na primeira pincelada sobre a tela branca,no tilintar das taças, na avidez das bocas que se aproximam, nos acordes iniciais de uma sinfonia, no aperto de mãos dos amigos que partem,na dor do homem cuja amada parte,na fala que o ator de repente esquece,no salto alto que se quebra no meio da rua,na chuva inesperada, no silêncio imprescindível,na agonia do vestibulando que chega após os portões fechados, no vestido perfeito para a ocasião, na segunda décima-segunda badalada do relógio,no aniversário comemorado à distância, no vôo das andorinhas em busca das terras quentes, no reencontro dos amantes no leito de antigamente,nas palavras de amor sussurradas sobre ouvidos que dormem, estas palavras que recolho nas formas das nuvens, na Lua, no Sol, no ar, para depositá-las ao alcance dos teus ouvidos , que não mais, nunca mais me ouvem.