Guarda-me no teu gesto,
ao folhear as páginas dos velhos poemas que amamos
e cuja leitura nunca nos foi dado compartilhar,
ou quando tocares, na aurora, o delicado botão da tua entreaberta flor;
abriga-me nas frestas, nas frinchas do teu riso,
onde não me alcance a cinza escura deste tempo de peste, medo e solidão; guarda-me lá, no teu ato falho, no teu inconsciente, lá onde não chega o vento,
e em ti, onde tu mesma não pudeste chegar;
guarda-me à meia luz do teu olhar,
quando seguires distraída pela estreita alameda destes versos;
guarda-me na memória, como se eu estivera sempre em teus dias,
e te amara ainda antes que pudesses chegar;
guarda-me em teu coração, no secreto escrutínio do altar onde cultuas as figuras de tuas memórias primordiais;
mais do que isto, acolhe-me no teu intimo, no teu ventre, no teu vértice, onde florescem as tuas sementes mais sagradas;
e mais do que mais, recolhe-me no arquipélago do imaginário, a que a ninguém é dado, se não a nós mesmos, alcançar;
e se ainda mais fora guardado,
abriga-me sob tuas asas quando o mais alto e secretamente possível estiveres a voar...
Itaney campos
Jan/22.