A senhora dos meus sins

A senhora dos meus sins //Eligio Moura//Prosa poética

Todas as vezes que ela ia a Arcoverde/PE eu ficava feliz...

Ela me trazia o seu amor, um carinho incontestável e um carrinho de galalite.

Eu, nos meus doze anos, fui morar com ela na cidade de Moreno, em pernambuco

E já idolatrava aquela mulher... Foi a minha primeira paixão.

Nunca me disse um não: sempre sim.

Sim... Anulava os nãos de Bibi de modo incisivo. Era direta: deixa o menino!

Vovó Barreto era só carinho, carrinhos de galalite, sins.

Viúva, avozinha, seu cachimbo modesto era o seu marido, ela dizia...

Modesta, simples, iletrada. Operária de fábrica, sofrida...

Tinha lá seus nãos, para os outros.

Para mim, não: sim!

Havia outros sins naquela casa:

A bolacha cream crack, sempre fresquinha, com manteiga, antes de dormir, era um sim de bom tamanho...

A mesa grande da área dos fundos da casa reunia a família nos almoços de domingo, era outro...

A casa da vovó Barreto era um paraíso...Era uma festa.

A cacimba profunda de água friinha uma delícia...

As bananeiras... Os pés de jambo... As uvas verdes do oitão da casa...

A mangueira no quintal outra festa.

O portão da frente da casa que escondia namoros antigos...

Os quartos sem cobertura de teto, diretos no telhado...

Tia Bibi varrendo a casa descalça e roendo as unhas...

A pedra do padre-sem-cabeça que assombrava a meninada no quintal do vizinho...

A linha do trem... O trem cambiteiro...

-Lá vem o trem!!Lá vem o trem!!

Era uma correria...Ele vinha devagar...devagar...devagar...quase parando.

A estação era perto. A gente pegava cana e carona. Coisa de moleque...

Do outro lado da linha do trem havia vida também...

Lá estava a casa de dona Ambrosina... Com seus jambos maravilhosos...

Seu campo de futebol, que a gente jogava justamente ao meio-dia depois do almoço, para desespero de tia Bibi.

A pequena lagoa que a gente pescava gia. Para nada.

Outro sim maravilhoso, mais longe, a casa de tia Biína...

Mas ali morava também a felicidade... A religiosidade. A Paz.

Os primos e primas que eu gostava. A ladeira que eu descia em carrinho de rolimãs...

São tantas as lembranças...

Corina, Toinha, Toinho.

As descobertas do mundo,

Gicélia a primeira quase tudo: de namorada a apaixonada.

A dedicação aos meus estudos no Colégio Sagrado Coração...

Era só atravessar a rua e estava no colégio.

As lembranças de vovó Barreto!!

A casa simples, na rua Dr. Sofrônio Portela, por si só tinha vida: eram cinco quartos, duas salas,

um terraço para a rua e outro maior para o quintal...

A cozinha era o paraíso... Doces, biscoitos cream cracker, frutas e um feijão de tirar o fôlego.

Só não gostava do banheiro: era escuro, úmido, apertado, paiol de coisas, e por ser banheiro, relegado e deixado pra lá.

Na casa morava outra mulher maravilhosa : Corina.

Corina. Negra, prestativa, madura, solteirona de carteirinha, professora, morava na casa quase de favor...

Era um dos meus sins e ela tinha seu não na tia Bibi.

Corina me ajudava com os deveres do colégio, levou-me com febre para prestar exame de admissão ao Colégio Sagrado Coração.

Eu vivia meu próprio verso, naquele universo de mulheres: vovó, tia Bibi, Corina, Da. Ambrosina, tia Biína...

As vizinhas : Dona Dedé, Vera, Socorrinho...

E as descobertas foram muitas:

Ajudei missa como coroinha...

Fiquei no cinema com uma menina...

Cacei nambu, nadei e pesquei no rio Jaboatão...

Saía por aí pegando mel de abelha e roubando frutas...

Todo dia tomava banho de rio, sozinho, pescando piabas ao pôr do Sol...

Naquela casa havia dois nãos de peso: tia Bibi, com seu zelo desmesurado por mim e

os seus beliscões corretivos na igreja: o outro, tio Toinho com sua bicicleta proibida e seus jogos de botões inacessíveis...

Mas existia vovó Barreto... A senhora dos meus sins.

0000000000000000000000000000000000000

Não deixe de escutar o áudio na voz do autor.

00000000000000000000000000000000000000