Ser criança é descobrir o mundo pelo dedo da curiosidade, é assustar-se com o berro da mãe ao vê-la, sem maldade, querer tapar os furos da tomada com os pregos por perceber que eles têm o mesmo tamanho circular, e chorar esguichando lágrimas de surpresa pelo choque ao consumar a arte num rápido descuido dela.
Ser criança é esconder-se da mãe atrás da casa para comer de colher o leite ninho com açúcar, depois largar o copo no chão, de noite passar mal e ir parar no hospital. É comer às escondidas todas as goiabas da goiabeira do quintal da tia e ser descoberta por ficar encalhada durante três dias. É furar a lata de sardinha secretamente, derramar o molho sobre o arroz branco no prato e se lambuzar daquela delícia irresistível, até ser descoberta e ter que inventar outra arte.
Ser criança é gastar todas as folhas do caderno escolar para construir barquinhos de papel e se divertir vendo-os deslizar na enxurrada na descida da rua esburacada, depois da primeira chuva, forte e passageira, de setembro. Ser criança é ser valente e confiante para explorar o desconhecido.