UM POEMA EM ORAÇÃO AO "LOCKDOWN" DA TERRA

VERSO DUM "LOCKDOWN"

Quando ele chegou

Chegou como chegam todos os espantos:

Em silêncio e sem avisar.

Como todos que chegam para roubar

Demorou para ser notado.

Vinha para nos sugar o ar.

Chegou disfarçado do igual

Aquele igual de sempre

O que se apropria do cenário desgastado

A se confundir com todas as paisagens conhecidas

Mas maquiadas.

Tinha ele um genoma de rei dissimulado.

Seu jeito insidioso tremulava no escuro

E à luz das permissividades sem lentes

Mostraria sua suntuosa coroa de rei.

O mundo lhe renderia majestade

Micro e macroscópica.

Não seria um rei impositivo

Desses que medem explícitas forças de punho

Com seus concorrentes desnudos do principal.

Ele já sabia por onde se infiltrar.

Conhecia todos os poros dos abandonos

Conhecia os terrenos dos fétidos lixos largados

Conhecia as armaduras das ratoeiras

Todos os venenos, os escombros, os medos embargados

Todos os carbonos dos rescaldos

Todos os cotos arrancados das prioridades da vida.

Conhecia as entranhas mundanas

De todo o oxigênio negado

De gerações a gerações.

Então...

Ele sabia quais alvéolos da desgraça sequestrar

Posto que entendia de asfixias atávicas.

Conhecia todas as vaidades

Os ódios semeados e colhidos,

As arrogâncias

As disputas,

Conhecia todas as invejas rançosas

As descrenças, as injustiças

As zombarias sobre uma força maior.

Conhecia todas as mentiras das verdades

E mais ainda: todas as verdades das mentiras.

Entraria na estratosfera das vidas e tudo explodiria...

Armado de silêncio, distribuindo sufoco

Com invisibilidade destrutiva.

Ergueria as quedas em dominó

De todos os reinos já decaídos.

Poucos se deram conta

que chegaria escondido pelas mãos alheias...

(Ah! justo pelas mãos?- o símbolo já desentrelaçado

dos tantos acolhimentos negados)

Então,chegou sem se anunciar.

A quebrar paradigmas,

A desbancar o forte

A esfarelar o grandioso

A matar de mais morte sempre o mais indefeso!

A embargar a voz da Ciência redentora.

A nivelar o surrealismo vigente

Pela linha da mediocridade soerguida

E nunca suplantada.

Deflagrou muitos punhos fechados com força,

Esmurrados sobre as mesas

Dos negócios que matam pelos gabinetes.

Depois que ele chegou

E reinou,

Todos se deram as mãos

Em desespero uno.

Mãos distantes, trêmulas e simbólicas.

Ensinou:

Quando as dores caem ao solo

Nenhum grito difere na essência de origem.

De repente, viu-se a Terra derretida

Em triste pranto de partida...

Algemada ao próprio mal.

Mesmo a poesia soou contrita

Embora em dor, foi soerguida!

Em verso solto dum "lockdown".