Desenharam-me, desenhei-me
Dizia Clarice* que conhecer era impossível...
foi por isso que tentaram desenhar o menino.
Na tentativa falha e indefinida,
ficou o vazio a ser preenchido pelas escolhas da vida.
Tentam desenhar-me a todo instante.
Pintam o real em tons de realidade.
Eu mesmo me desenho,
modelando meu desejo, com a cor de outras vontades.
Perguntam-me quem eu sou,
respondo dizendo o que faço.
Incongruências? Digo que não...
talvez eu seja uma cópia do sonhado.
Se rabiscam meu esboço,
renasço deformado,
se tento desenhar-me
aproximo-me do moldado.
Nas páginas brancas da vida,
nenhum lápis pinta a verdade.
Desenharam-me enquanto me desenhava,
e se vê os rabiscos desconcertados.
Colaboro, como o menino de Clarice,
afinal, sou humano inacabado...
minha tentativa neste fim,
é aproximar-me, o quanto antes, do que é fadado:
a ser eu enquanto desenho, ou eu real idealizado.
* Clarice Lispector - Conto: "Menino a bico de pena" - 18.10.1969