A vida me deu um dia
A emoção da poesia
Nas chegadas e partidas.
Nasci menino de sorte,
Fiz do sonho um passaporte
Que me guiou pela vida.
Com a poesia eu senti
A emoção de um colibri
Que levita sobre a flor.
- Ai flor, tão açucarada!
Flor viçosa, perfumada:
Doce cálice de amor!
E assim, como o colibri,
Como poeta eu me vi
Prisioneiro de uma flor.
Paixão secreta, guardada:
- Ai flor, jamais disse nada...
Nunca provei teu amor!
- Ai Flor, se me reparasses
Talvez eu jamais voasse
Para tão longe de ti.
Mas não! Tu nunca me viste.
Doeu tanto... e de tão triste
Foi-se embora o colibri.
Não sei bem o que temia,
Mas sei que voou um dia
O teu frágil colibri.
Não sei de que teve medo,
Mas sei que foi, em segredo,
Para bem longe de ti.
Talvez nem fosse uma fuga.
Bem longe foi colher rugas
Na dura roça dos anos.
Semeou versos e rimas,
Lavrou leiras em ruínas,
Cometeu muitos enganos.
Desbastou mudas sem viço,
Achou que com tudo isso
Seria um bom lavrador.
Mas o Tempo, soberano,
Ao fim desses 30 anos,
Tem um trato a lhe propor:
- Queres a boa colheita?
Então para, olha, aceita!
Tu não és agricultor.
Voa ao jardim do teu sonho.
É lá que acharás – suponho –
Teu sonho de beija-flor!
- Volta lá. Diz isso a ela:
“Sou quem te viu na janela
E nunca mais te esqueceu.
O verso no teu caderno,
A jura de amor eterno,
O bilhetinho? Era eu!
A música na quermesse
(que medo que alguém soubesse!)
O Compadre Quincas leu:
‘Com todo o amor pra morena’,
Eu nunca disse – que pena... –
Quem te dedicou fui eu!
Depois, na Festa Junina,
Que poeta não assina
O versinho que escreveu?
Tu sorrias, radiante...
O tal Correio Elegante
Te elogiando era meu!
Numa certa madrugada,
Depois da festa acabada,
Por causa da curva brusca
O teu corpo de sereia
Eu envolvi feito teia
No banco de trás do fusca.
Eras altiva, morena.
Talvez tímida, mas plena,
Jovem demais para mim...
Eu te via com minha alma,
Tão serena, doce, calma:
Eu sempre te via assim.
Que estes versos não violem
O segredo do teu pólen
Que eu agora exponho aqui.
Foste musa às escondidas.
Minhas noites maldormidas
Eram por falta de ti.
- Ai flor da paixão secreta,
Foste a musa de um poeta
Que nunca lutou por ti.
É teu, só teu meu amor...
Sou eu o teu beija-flor,
Teu tímido colibri!
O tempo, que a tudo arrasa,
Cortou de vez minhas asas
(Triste a sina que escolhi).
Então peço ao Criador:
- Deixai que eu cante este amor,
Amor que eu nunca vivi.
E que os versos da canção
Repousem no coração
Da minha musa adorada.
Já a mim, dai-me, Senhor,
O dom de amar minha flor
Sem que ela saiba de nada.
Que eu me mantenha suave,
Seja brisa, seja ave,
Sussurrando em seu jardim.
Que eu me faça benfazejo,
Possa cobrir-lhe de beijos
sem que ela fuja de mim.
E, brincando em sua face,
Como se o mundo parasse,
Que eu me faça colibri
E nos seus lábios de flor
Que eu me alimente de amor
E não saia mais dali.”
São Paulo, 21 de novembro de 2016 – 18h15