Do Animoso Alferes e Menestrel das Alagoas

Romance XXVII ou Do Animoso Alferes de Cecília Meireles

Pelo monte claro,

pela selva agreste

que março, de roxo,

místico enfloresce,

cavalga, cavalga

o animoso Alferes.

Não há planta obscura

que por ali medre

de que desconheça

virtude que encerre,

- ele, o curandeiro

de chagas e febres,

o hábil Tiradentes,

o animoso Alferes.

Por aqui, descansa;

ali, se despede,

que por toda parte

o povo o conhece.

Adeuses e adeuses,

sinceros e alegres:

a amigos, mulatas,

cativos e chefes,

coronéis, doutores,

padres e almocreves...

Adeuses e adeuses,

- que rápido segue,

a mover os rios,

a botar moinhos

e barcos a frete,

lá longe, lá longe,

o animoso Alferes.

A bússola mira.

Toma para leste.

Dez dias de marcha

até que atravesse

campinas e montes

que com olhos mede:

tão verdes...tão longos...

(E ninguém percebe

como é necessário

que terra tão fértil,

tão bela e tão rica

por si se governe!)

Águas de ouro puro

seu cavalo bebe.

Entre sede e espuma,

os diamantes fervem...

(A terra tão rica

e – ó almas inertes! –

o povo tão pobre...

Ninguém que proteste!

Se fossem como ele,

a alto sonho entregue!)

Suspiram as aves.

A tarde escurece.

(Voltará fidalgo,

livre de reveses,

com tantos cruzados...)

Discute. Reflete.

Brinda aos novos tempos!

Soldados, mulheres,

estalajadeiros

- a todos diverte.

(Por todos trabalha,

a todos promete

sossego e ventura

o animoso Alferes.)

No rancho descansa.

Deita-se. Adormece.

Penosa, a jornada,

mas o sono, leve:

qualquer sopro acorda

o animoso Alferes.

Deus, no céu revolto,

seu destino escreve.

Embaixo, na terra,

ninguém o protege:

é o talpídeo, o louco

- o animoso Alferes.

Mas, dourado e roxo,

o campo alvorece.

Desmancham-se as brumas

nos prados celestes.

Acordam as aves

e as pedras repetem

músicas, rumores,

do dia que cresce.

Move-se a tropilha:

que outra vez se apreste

o macho rosilho

do animoso Alferes.

Adeuses e adeuses...

Talvez não regresse.

(Mas que voz estranha

para a frente o impele?)

Cavalga nas nuvens.

Por outros padece.

Agarra-se ao vento...

Nos ares se perde...

(E um negro demônio

seus passos conhece:

fareja-lhe o sonho

e em sombra persegue

o audaz, o valente,

o animoso Alferes.)

Que importa que o sigam

e que esteja inerme,

vigiado e vencido

por vulto solerte?

Que importa, se o prendem?

A teia que tece

talvez em cem anos

não se desenrede!

Toledo? Gonzaga?

Alceus e Glaucestes?

– Nenhum companheiro

seu lábio revele.

Que a língua se cale.

Que os olhos se fechem.

(Lá vai para a frente

o que se oferece

para o sacrifício,

na causa que serve.

Lá vai para sempre

o animoso Alferes!)

Adeus aos caminhos!

– montes, águas, sebes,

ouro, nuvens, ranchos,

cavalos, casebres... –

Olham-no de longe

os homens humildes.

E nos ares ergue

a mão sem retorno

que um dia os liberte.

(Pois que importa a vida?

Aqui se despede

do sol da montanha,

do aroma silvestre:

– venham já soldados

que a prender se apressem;

venham já meirinhos

que os bens lhe sequestrem;

venham, venham, venham...

– que sua alma excede

escrivães, carrascos,

juízes, chanceleres,

frades, brigadeiros,

maldições e preces!

Venham, venham, matem:

ganhará quem perde.

Venham, que é o destino

do animoso Alferes.)

De olhos espantados,

do rosilho desce.

Terra de lagoas

onde a água apodrece.

Janelas, esquinas,

escadas... – parece

que há sombras que o espreitam,

que há sombras que o seguem...

Falas sem sentido

acaso repete

– pois sente, pois sabe

que já se acha entregue.

Perguntas, masmorras,

sentença... Recebe

tudo além do mundo...

E em sonho agradece,

o audaz, o valente,

o animoso Alferes.

Poema do livro "Romanceiro da Inconfidência" de "Cecília Meireles".

Minha comemoração à data de 21 de Abril.

Minhas reverências a:

=> Joaquim José da Silva Xavier e seus companheiros de conjuração;

=> Cecília Meireles;

=> Dante de Oliveira Pereira de Carvalho;

=> Ao movimento "Diretas Já";

=> Teotônio Vilela;

=> Tancredo Neves;

=> Ulisses Guimarães;

=> Fafá de Belém;

=> Fernando Brant;

=> Milton Nascimento;

=> Wagner Tiso.

Para esta publicação, eu fiz um áudio vestindo-o com a música "Menestrel das Alagoas" interpretada pela "Fafá de Belém" com participação de "Teotônio Vilela". Para ouvi-lo clique no link logo abaixo. Desde já meu muito obrigado.