Especulações em torno da palavra homem (Drummond)

Publicado por: Ariadne Cavalcante
Data: 15/12/2015
Classificação de conteúdo: seguro

Créditos

Texto: Especulações em torno da palavra homem Autor: Carlos Drummond de Andrade Voz: Ariadne Cavalcante Música: Missa Johunouchi - Asian wind (piano)
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.

Especulações em torno da palavra homem

Mas que coisa é homem,

que há sob o nome:

uma geografia?

um ser metafísico?

uma fábula sem

signo que a desmonte?

Como pode o homem

sentir-se a si mesmo,

quando o mundo some?

Como vai o homem

junto de outro homem,

sem perder o nome?

E não perde o nome

e o sal que ele come

nada lhe acrescenta

nem lhe subtrai

da doação do pai?

Como se faz um homem?

Apenas deitar,

copular, à espera

de que do abdômen

brote a flor do homem?

Como se fazer

a si mesmo, antes

de fazer o homem?

Fabricar o pai

e o pai e outro pai

e um pai mais remoto

que o primeiro homem?

Quanto vale o homem?

Menos, mais que o peso?

Hoje mais que ontem?

Vale menos, velho?

Vale menos morto?

Menos um que outro,

se o valor do homem

é medida de homem?

Como morre o homem,

como começa a?

Sua morte é fome

que a si mesma come?

Morre a cada passo?

Quando dorme, morre?

Quando morre, morre?

A morte do homem

consemelha a goma

que ele masca, ponche

que ele sorve, sono

que ele brinca, incerto

de estar perto, longe?

Morre, sonha o homem?

Por que morre o homem?

Campeia outra forma

de existir sem vida?

Fareja outra vida

não já repetida,

em doido horizonte?

Indaga outro homem?

Por que morte e homem

andam de mãos dadas

e são tão engraçadas

as horas do homem?

mas que coisa é homem?

Tem medo de morte,

mata-se, sem medo?

Ou medo é que o mata

com punhal de prata,

laço de gravata,

pulo sobre a ponte?

Por que vive o homem?

Quem o força a isso,

prisioneiro insonte?

Como vive o homem,

se é certo que vive?

Que oculta na fronte?

E por que não conta

seu todo segredo

mesmo em tom esconso?

Por que mente o homem?

mente mente mente

desesperadamente?

Por que não se cala,

se a mentira fala,

em tudo que sente?

Por que chora o homem?

Que choro compensa

o mal de ser homem?

Mas que dor é homem?

Homem como pode

descobrir que dói?

Há alma no homem?

E quem pôs na alma

algo que a destrói?

Como sabe o homem

o que é sua alma

e o que é alma anônima?

Para que serve o homem?

para estrumar flores,

para tecer contos?

Para servir o homem?

Para criar Deus?

Sabe Deus do homem?

E sabe o demônio?

Como quer o homem

ser destino, fonte?

Que milagre é o homem?

Que sonho, que sombra?

Mas existe o homem?

Poesia Completa de Carlos Drummond de Andrade, p. 428 (Nova Aguilar)

Carlos Drummond de Andrade
Enviado por Ariadne Cavalcante em 15/12/2015
Código do texto: T5481202
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.