HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS-ZULEIKA DOS REIS

 
 
 

HUMILDADE E ALTIVEZ DE DESERTOS
REPUBLICAÇÃO – POEMA DE 17 DE JULHO DE 2013.
 
Nota. Este poema acabo de postá-lo no Áudio. Se alguém tiver interesse em ouvi-lo... Feliz fim de semana, amigos.



 
Deixai-me, ainda, dizer nesta manhã,
desde o ventre da incomensurável cidade a devorar os filhos
na secura de edifício sem nome
sem biografia
sem história
desde o mais fundo dos ermos
desde a raiz das árvores  secas de inverno
árvores secas em secas alamedas de inverno
desde o fundo da alma em inverno
alma sem sonhos  nem esperanças quaisquer  de outros ciclos
 
 
deixai-me dizer
mais do que dizer, deixai-me  sentir, ainda,
algo, ainda, da humildade e da altivez dos desertos .
 
 
Não de um deserto real
de deserto inventado por sonho
que no universo de mundos pós-tudo
 
 
de almas pós-tudo
de tempos pós-tudo
não mais sequer desertos, senão em sonhos inventados,
mas o meu, já que nem mais sonhos inventados  consigo,
será deserto meramente pensado
 
 
pensado
areal sem fim e sem começos
sem termos de acordo
sem oásis
ou melhor
 - para quebrar a onipotência das areias infindáveis -
com alguns pequenos e outros grandes oásis de pedras
oásis de pedras reluzentes
de altíssima chama
de duríssimos arco-íris
como nenhuns outros
pedras como nenhumas outras
onde os pés descansem, fundo,
de todos os repousos
onde o sangue a jorrar
complete o cenário.
 
 
Altivos e humildes e sangrentos pés
deserto altivo, orgulhoso do seu areal sem fim
e de seus oásis de arco-íris pontiagudos
e de pedras redondamente  a espraiar outros tesouros de ninguém
deserto  a ofertar-se
a este pensamento quase delírio no início da tarde 
deserto-oráculo
amplo e sem muros como um deus  criado
amplo e sem muros.
Um deus criado no tempo deste poema, também ampla voz de nadas.
 
 
Um deus criado neste instante.
 
 
Deserto sem tendas
beduínos
camelos
sem o que quer que seja que configure em algum lugar para alguém deserto plausível
deserto anterior a si mesmo
como se não fora
deserto projetado para alívio
só no exato tempo e espaço desta escrita
que é mesmo uma coisa nenhuma.
 
 
Deserto altivo
deserto humilde
vento a espalhar areias e pedras pelo mundo e por não mundos
 
 
ofuscante céu de quase meio-dia a cegar as palavras
céu de obscuro verão vindo de teu hemisfério, deserto  pensado,
para cegar também cada um dos silêncios.
 
 
Deserto altivo e humilde
janelas de prédios que olham este instante no inverno
sem ver nada e ninguém
 
 
árvores de hirtos galhos
cruzes cegas na ainda manhã
cegas penitentes imóveis
cegas imóveis penitentes erguidas diante do seu deus. 
Diante do seu deus.