Nada de novo no ar

Nada de novo no ar.

Insistis que eu conte? Eu conto.

Nem vereis tamanha graça,

Pois não há novo a contar...

Eu vos digo o que se passa

Do muito que hei de passar.

Que novidade haveria

Na escalada da velhice?

Passo por noites e dias

Repetindo o que já disse,

Ouvindo o que já foi dito,

Vendo hoje o que ontem via.

Passo por gente e por bicho

Cada vez mais semelhantes

Embora tão desiguais:

Um deles atira o lixo

Que o outro, logo adiante,

Consome e, de tal capricho,

Confundem-se gente e bicho

Com seus dejetos virais

E da fusão homem-lixo

Nascem outros animais.

Nada de novo no ar.

Insistis que eu conte? Eu conto.

Nem vereis tamanha graça,

Pois não há novo a contar...

Eu vos digo o que se passa

Do muito que hei de passar.

O que há de novo? Se existe,

Talvez o ponto de vista:

Milhões de famílias tristes

E uma corja de egoístas

Que se diz dona e que insiste

Que os demais não têm direito.

Passo por fartos banquetes

De quem rouba e se diz dono.

Vejo ali sonhos desfeitos.

Quem ergueu os palacetes

Nas teias do preconceito

É visto como suspeito

E reduzido a colono.

Pra eles só tem um jeito:

Mostrar quem de fato é dono!

Nada de novo no ar.

Insistis que eu conte? Eu conto.

Nem vereis tamanha graça,

Pois não há novo a contar...

Eu vos digo o que se passa

Do muito que hei de passar.

Meus olhos envelhecidos

Vêem visões repetidas.

Tudo o que se deu comigo

Agora eu chamo de vida.

Às vezes corri perigo,

Mas não fugi da corrida.

Comigo o mundo não rima:

Nos opostos eu me encaixo;

Bem pouco estive por cima

Mais vezes me vi por baixo.

Fazendo par, gente e bicho

Jamais querem ser iguais,

Mas da fusão homem-lixo

Nascem outros animais.

Passo por fartos banquetes

Vejo ali sonhos desfeitos

Milhões de famílias tristes

E uma corja de egoístas...

Pra eles só tem um jeito:

Fazer valer seus direitos

E impor seus pontos de vista.

Nada de novo no ar.

Insistis que eu conte? Eu conto.

Eu vos digo: o que se passa

Há de sempre se passar.

Não há graça nem desgraça,

Pois não há novo a contar...

São Paulo, 21 de fevereiro de 2014 – 13h50