Este demente em meu peito abrigado que se diz meu “coração” não me pertence. Nem sei de onde vem,
vem do “desalém”. Ouçam bem: do que ele apronta sou apenas vítima, sou inocente.
Este coração não sou eu, não é meu. Machuca-me qual carrasco. É um impostor, de meu corpo um invasor. O meu original herdado de mamãe roubaram-me na maternidade. Falso, até que se comportava na tenra idade. Mas bastou chegar à maioridade para expor as suas vaidades, todas contrárias às minhas vontades.
Com seu poder de sedução vai me levando na lábia, e eu indefeso ante a sua chantagem o obedeço a contragosto. Quando quero algo só meu, rouba-me a coragem. É imperativo e dominante. Voluntarioso e pedante.
Sua tática é me confundir. Nem sei mais o que é mentira ou o que é verdade.
Caro lente, sabe como hoje eu chamo o meu pobre peito? Ninho, ninho da cobra. Depósito de ovos, ovos de serpente.
Entrei na justiça e pedi sua expulsão. Mas ele se faz de vítima e comove a juíza e toda a audição, que em coro diz: “Ohhhhh!!! Pobre coração”.
Não sei mais o que fazer. Já pensei até em suicidar. Estou mal, ao léu. Se nele a estaca cravo, cruel. É em mim que a dor vai atinar. Tento me vingar, correndo até a exaustão, falta ar em meu pulmão. Ele ri de mim e me chama de bobão.
Quero meu coração original que ganhei de mamãe. Mas na maternidade registro não há mais: “queimou-se no último incêndio”. Depois de ouvir isto minha esperança se desfaz.
Sabe o que ele tem me aprontado? Sai para beber com uma tal de “Paixão”. Saem por aí abraçados. É só eles combinarem que sei que vou me ferrar. Dupla explosiva, fecharam um pacto. Se acham os tais, também o corpo não é deles, a dor de cabeça não é neles. Só querem me usar. Arrumam confusão... Eu levo a culpa e pago o pato.
Resignei-me e agora estou esperto (não adianta lutar). Quando eles saem para beber e dançar, abraço os dois e saio atrás, e que se dane o resto.