ASCÍGERO
Não sei em que país me criei
Onde aprendi as coisas que sei.
Não entendo nada de impérios,
Deuses, Deus, dogmas e mistério.
Não entendo o que compreendo
Não sei compreender o mundo que entendo
Nada me elucida o segredo latente
Que se abrigou em mim ao saltar do ventre.
Não foram, decerto, os sofrimentos de Geovalina
Nem a rispídez de Olívia
Nem o segredo guardado da morte de Sebastião
Nem a rudeza de Seu Geraldo que era só coração.
Talvez haja algo em mim, sobrando
Que recorde um navio baloiçando
Com seus marinheiros cansados
Rescendendo a cio, sal e aço.
Nada ficou do seminário, asco
Dos vários trabalhos, a alegria de Carvalho
A gentileza de Luiza; o primeiro combate;
O suor, ódio, pena, raiva que ainda arde.
As traições, ah, quantas me adoeceram
Os amigos que partiram; os que se esqueceram
Que o que separa o homem do animal
É o acessório, nunca o principal.
Hoje, nesta praia quase abandonada
Fico vendo as ondas que dão em nada.
Recordo os dias e noites; os poucos amores
Amados em preto e branco, ansiosos de cores.
Não sei onde aprendi a entender as coisas que sei,
A ver o mundo como vejo, a duvidar de homens, leis
Não sei em que mundo me fiz
Sei, apenas, que não tinha os ódios daqui
Os rancores, essa tristeza tangendo o olhar
Obrigando a sais e ácidos para menos sangrar.
O que sei, fica estagnado, boiando na dor
À espera da mão caridosa que o descubra amor.
Onde nasci
Não tinha as coisas daqui
Essas noites daqui.
Essas dores daqui.
As gentes daqui.