A FALTA

A FALTA

A falta que amo

Adormece em nácar

Desperta sob marfins.

A falta hedionda que mata

Dorme ao meu lado, impune.

Incólume, na distância do

Meu desejo.

Pela minha falta de ti

Calculo tua falta de mim

E morro pensando que morres

De minha saudade de ti.

A falta que amo tanto

Sussurra seu nome nas conversas

Dos amigos; abraça-me

No vazio do abrigo.

A falta, que é tanta

Cavalga-me em leitos em cio

Sob o som de mil chicotes

Em noites de trêmulo pavio.

Noites a fio.

Desafio a falta que não sei se me ama

Na minha falta, que ama.

Desejo-a em todas as minhas palavras,

No leito imenso dos solteiros.

Sob edredons em desalinho

Na feiúra do linho,

Quando penso na blusa

Da sua pele morena

Me abraço sozinho

Desespero solitário.

Ardo em outros corpos

Bebo outras bocas

Aceito palavras

Mas não perco o senso

Que reside na falta

Que amo.

Topométrico, meço minhas subidas e descidas.

Faço mil cálculos sem obter a medida

Exata da falta

Que não sei se me ama.

Assalto mil castelos

Atravesso os inimigos

Com a espada do silencio.

Lanceio meus amigos

Com desejo enorme da falta,

De tão imenso.

Ela ressona em azuis

Cavoucando meu abismo.

Conduzo meus demônios e archanjos

Para o pasto verdiço

Como fora apascentar

O desejo da falta que angustio.

A falta retoma a jornada dos anos.

Prossegue comigo, massacrando-me,

Desfazendo cada carapaça, armadura

Da sua longa pele moura

Renasce meu desejo infinito.

A falta me rouba o tempo,

A respiração, o sono, o amor.

Ela levou o amor.

O amor foi, cordeiro,

Ao chamado da falta.

Correu ao seu encontro

Como se ela fosse a presença

Que ama. E não falta.

O que ama a falta, soluça

Na pele escura da blusa

Da falta obscena.

O homem acena à falta

Que não ama: recusa

O que ama na falta da cor

Além da bruma, blusa,

Que nem sei se ela usa.