(Porque deixei Cruzeiro do Oeste, minha terra, deixei muito
do que sou para viver a ilusão do que queria ser. Estes versos são também uma homenagem a todos os migrantes que, como eu, amam o lugar e a vida que um dia deixaram... não é mesmo, Zaina, Índira, Erivan, Hélio Duarte, Fernando Manin, Fabiana (Bia), Juarez Villas Boas?...)
No dia do meu retorno
Talvez eu nem veja os meus
Ao descer ruas do ontem
Talvez eu reviva apenas
Doces casas de madeira
Com seus homens na varanda
E ali relembre a esperança
Que era toda a rebeldia
dos meus tempos de criança
Talvez eu ouça a poesia
Naquelas ruas de chão
Talvez respire a poesia
No odor caseiro de pão
No café que invade os ares
Talvez reveja a poesia
nas carroças que se vão
suprindo os humildes lares
levando as mercadorias
naquelas ruas de chão
Não serei mais eu nas ruas
Nas ruas, outras crianças
Também hão de correr nuas
Redobrando semelhanças
E ao ler nas portas dos bares
Seus mais antigos dizeres
na ferrugem, na ferragem
vão brotar doces lembranças
(Ah! Na porta desses bares
Eu deixei de ser criança...)
No dia do meu retorno
Talvez eu nem veja os meus
Não quero a noite das lâmpadas
Que fazem ver rosto triste
Na solidão das procuras
Quero o tom dos violões
Enchendo as portas da rua
Quero ter tempo na praça
Para o casal que se toca
Sem o apito do guarda
Que lembra “perdas e danos”
Quero depois desses anos
Ser o homem que seria
Se ainda vivesse lá
Quero esquecer — isso sim! —
A escola nova da vila
Os homens da agrimensura
Querendo mudar esquinas
Os automóveis do agora
Traindo a simplicidade
De minhas ruas de chão
Esquecer tantas antenas
Trazendo a imagem dos pólos
Seviciando a pureza
Que fazia Aparecida
Ser a mocinha mais deusa
De todas que eu conhecia
No dia do meu retorno
Talvez eu nem veja os meus
Quero ser reconhecido
Pelo ancião da esquina
Que me chame de menino
Me convide pro café
Há de ser como faz tempo
E eu descia a ladeira
Levando o feixe de lenha
Mamãe gostava à tardinha
Fazer o fogo da janta
As margaridas mais brancas
Que o roçado de algodão
Há de ser como faz muito
E eu versejava a colina
O beijo que eu procurava
A brisa dali beijava
Mas eu jamais percebia
Dia de outono, já noite
Finquei saudade em Maria
Depois do sol no poente
Com cartas, bilhetes, versos
A mesma calça de sábado
Não era sábado, mas
Longe o vislumbre da festa
A que eu me fiz convidado
Fugi nos braços da noite
Pra não ter imagem clara
Da despedida da terra
Querendo esquecer o crime
De deixar de ser menino
Trocar-lhe as roupas de sempre
Fazer-lhe conjugar verbo
Até então sem valor
Fazer-lhe saber das cifras
E acorrentados cifrões
E nunca mais as varandas
Nem a canção das carroças
E nunca mais os letreiros
Nem mesmo o som das serestas
E nunca mais a pracinha
Talvez apenas Maria
Que insiste em fazer poesia
Nas cartas poucas que restam
Não quero, cidade minha
Que saibas dos meus caminhos
Se ainda tens à tardinha
O canto dos passarinhos
Guarda o perfume das rosas
Que eu guardo a dor dos espinhos!
Itapecerica da Serra-SP, 11 de abril de 1989 – 11h30min