LENTANIA
Foi somente após muito Debussy, jazz
e um desvairado amor ruim,
combinação estranha, concordo,
que consegui sair às ruas
descompromissado com tudo,
destituído de certas virtudes
essenciais a muitos.
Andar as ruas sem perseguir
as meninas com um olhar
meio inveja meio cobiça,
há algum tempo atrás,
seria impossível.
Hoje já o faço, despossuído
do interesse da posse: sentimento
que só a poesia admite.
Agora há mais amor.
É um amor que vai além do amor,
sabedor que sou que após a idade feroz
somente a fé no amor pode unir o que vem
ao que já passou.
Somente essa fé pode esperançar
um rosto desolado,
distribuir sorrisos divertidos
para o mundo que nos cerca
como se fôssemos os donos das pharmácias
onde são vendidos os cadinhos
de salvação de espírito
de paz ininterrupta.
Ver as pessoas e desejá-las unidas
em torno de braços tão fortes
como são os da solidariedade,
passear pelas ruas com a paz
de quem abriu um viveiro antigo
saudar amigos ao longe
bebericar um suco de laranja
sob o sol da manhã
clara.