Se eu voltasse, imagino que acharia
minha casa às escuras e vazia
entre folhas lançadas pelo outono.
Na cozinha, o armário, a velha mesa
e a toalha embotada de tristeza
com vestígios de choro e de abandono.
Umas poucas cadeiras, uma ou duas,
recobertas do pó que vem das ruas,
à espera de quem vinha e não vem.
A janela, rangendo, abre uma fresta
e até ela parece que protesta,
porque não quer se abrir pra mais ninguém.
Aos pouquinhos a luz começa a entrar
e percebo que ali, neste lugar,
um menino rabisca uma lição:
cabisbaixo, calcula, atentamente,
e ainda confere, diligente,
passo a passo as etapas da equação.
Ele estuda – hoje eu sei – ali sozinho
porque sonha sair desse cantinho
e ser grande e não ter que voltar mais.
E viaja montanhas, céus e mares,
pois nos livros descobre mil lugares
como nunca sonharam os seus pais.
Ele estuda e seu livro é o passaporte:
brevemente será adulto e forte
e o mundo há de ver sua grandeza...
E ser grande! Ser grande! Entre os maiores
estar sempre; e ter sempre aos arredores
quem implore um lugar à sua mesa.
O menino calcula – e que inocente!
O que ele não sabe certamente
é que o tempo vai ser seu professor.
Posto à prova, não basta uma equação:
na bancada do tempo, eis a lição,
ninguém sai com o título: Doutor!
Tola busca a de quem quer tal diploma.
O que o tempo nos dá ele nos toma
porque nós somos míseros mortais.
Descobrimos que estamos de passagem
e nos resta ao final dessa viagem
uma falsa bagagem... nada mais!
Eu, ali, contemplando esse menino,
sei agora que fiz o meu destino
como quem teve aquilo que escolheu.
Foram anos de busca mundo afora
pra encontrar aqui dentro, justo agora
o menino perdido que sou eu.
São Paulo, 2/4/2011 – 22h30