MEZZANINO

MEZZANINO

A casa onde moraria É bela

porque não resido nela.

Fiz as malas, embalei os livros

desmontei a parca mobília.

SÓ nao mudei.

A casa vista daqui, tao longe,

é bela, enorme, nao me cabe.

Nao suportaria morar naquela

casa e sair pelo jardim

que dá para uma rua quieta

pela qual nunca passei.

A rua que nao conheço

está arborizada e casas

iguais a que não é minha

perfeitamente iguais,

dão para jardins simétricos

ao que não é o meu.

Coisas a mim igualizadas

saem para o jardim

acompanhadas de quatro

cães com os nomes dos elementos.

Daqui, tao distante mas visível,

vejo-lhes o riso de afago nos lábios

e o amor com que os cães os festejam.

Eles apanham no escaninho

cartas que nunca receberei.

A caligrafia redonda do emitente

lembra-me a minha de adolescente

e reporto-me a tempos distantes

e nao mais visíveis quando escrevia

cartas que eu nunca respondia

a mim mesmo.

Apoiando a mão esquerda no muro

um dos homens que nao sou eu

observa a rua (na direita, as cartas).

Sob as árvores, cegos arrastam

gatos pelos rabos.

Eu nao os vejo, o homem sim.

No mezanino, lateral da casa,

crianças pulam dentro do sol

para cima do telhado

(elas tem parte com os gatos)

até‚ pularem para dentro de abril

e de lá para dentro do homem

que abre a porta e sobe ao sotao.

O homem entende coisas que eu

desconheço, embora a ele se me

pareça eu, e por isso sorri,

esbelto, com o sol de agosto no rosto.

Ele fala do amor aos cães

e o amor é uma janela

pela qual se pula:

atras nao existe chão.

O homem fala do amor

para o sol e o amor e uma

vida sem corpo atrás de si

para nao contagiar.

O homem cumprimenta vizinhos

que são todos eles eu sem nada

a disfarçar a parecência.

Sua mão brilha sob o sol suas

pulseiras; seu rosto recolhe-se

à penumbra, depois u'a mão

fecha a janela.