REVELAÇÃO
Amar-te de um amor
que te deixe adoravelmente feia
cabelos, ai meu Deus!, em desalinho
Amar cada palmo de pele
deixar-te exasperada, entregue
suando desejo que exige. E fere.
Amar-te de forma tal
que dê vontade de ver-te distante
para sentir saudade e querer presença
E, talvez, quando perto,
sentir como é deserto
saciar o que a mim angustia.
Amar-te, mulher, para que sintas
a irmandade que nos rodeia
e, nesse around, sentir-se perfeita.
De uma perfeiçao que estreita os laços
que nos torna humanos aos pedaços
com lágrimas, conflitos e receios;
para que percebas que dorme atento
atrás do leao resoluto
um menino que observa tudo
que sonha como outros meninos
o que o homem nega a todos
para fingir ser homem o que é menino.
Para que entendas que atrás da arma
do peito ferido, da força bruta
do prazer pela luta vil
repousam sonhos esquecidos
que acalento com carinho
só os despertando para revelá-los a ti.
Queria que entendesses que sou de mistura
que nao se codifica ou advinha.
Que tenho semelhantes que nao encontro
o que me faz ridículo aos vizinhos.
Que sou arredio, que nao me revelo
e quando o faço é até o fim.
Se nao me completo com coisas
se nao sou sorrisos sem nexo
é porque sou, originalmente, autêntico
de uma fragilidade asa de passarinho
letra redonda e desleixado
de uma natureza que nao se civiliza.
Quero que entendas
que posso morrer a qualquer momento
e que o drama é resultado do palco
nao o inverso:
quando a ti me revelo nao é o ator
e sim o homem confesso
com suas tolices e suburbanidades
curiosidade intensa, e blues,
sonhos que nunca tiveram projetos
e, por serem sonhos, alimentam
o menino que espreita para, zás,
abraçar-te isento do mundo.
Quero que percebas
que o que há, no abismal profundo,
é um homem e uma mulher
desempenhando performances
encenado ao público
a mentira da aparência que reside em tudo.
Na platéia, dois meninos nada entendem
do espetáculo absurdo
Queria despertar em ti
a naturalidade dos gestos
e um certo descomprometimento do futuro
Nao. Nao quero que penses.
Há de ser sem pressa e medo
que despertarás teus segredos
que abriras teus viveiros
e voaras em osmose de liberdade
ausente dos dramas da cidade.
Há de ser sem arrependimento
que conservarás em mistério
o teu conhecimento de ti.
Verás como sao desimportantes
os que se proclamam gente
andando lerdos, engomados, sorrisos parvos.
Quando entenderes isso
entenderás o que sentem os meninos
que residem dentro de ti
cheios de cabala e nao mais asfixiados
pelas maos rudes dos soldados
que convocas para te salvarem de ti.
Nesse momento perceberás
o que construí de mim
e que visto desse ângulo
sequer chega a ser ruim:
homem astuto revestindo menino tolo
que, ao vê-la, pode, apenas, sorrir.