QUEM ÉS TU

Quem és tu, que a força da palavra teme

Não haver vocábulos pra te expressar?

Trazes cada gesto num valsar solene

Come fosse a brisa namorando o mar.

Tens na voz mistério da floresta virgem

Que o aventureiro teima em deflorar

Mas o teu si1êncio causa-lhe vertigem

E se perde o homem sem te desvendar.

Quem és tu que sabes a canção dos deuses

E à Lira tanges plácido ninar?

E é repouso um dia o que seriam meses

Se pudesse — um dia — no teu colo estar...

E meu peito habitas sobre a nau da vida

Navegando sonhos que nem sei sonhar

E se tenho medo d’água enfurecida

Tens em tua Lira o plácido ninar.

Quem és tu, ó força da emoção suprema,

Que me dizes tanto sem sequer falar?...

Que me pões nos lábios teu real poema

Como fosse a brisa recitando ao mar...

Quando a noite é negra, se o silêncio brame

Em teus olhos brilha um facho de luar.

Se me desgoverno, basta que eu te chame

Para que me ajudes outra vez remar.

Quem és tu, ó deusa que me fertiliza,

Quando esteriliza minha inspiração?

Quem és tu que o cérebro já não divisa

Se tu és quimera, se tu és razão.

Itapecerica da Serra-SP, 3/3/90 — 18h30min