Últimas Lembranças

Eu lembro bem, e as memórias teimam voltar,

Do tempo que eu podia respirar e sentir os perfumes,

Os campos verdejantes das flores funerárias,

Eu lembro que os sentidos tinham sentido.

Eu ainda lembro que andávamos sem caminho,

Correndo todos os riscos e riscando a terra úmida,

Vendo vaga-lumes e joaninhas nas folhas de papel

E deformando tudo com cogumelos e flores.

Eu lembro bem que antes de tudo nada havia,

O tempo era parado e as nuvens não tinham forma.

A água era só água e não nosso reflexo,

A memória era virgem por falta de ter o que recordar.

Eu ainda lembro que a ensolarada manhã chegava logo,

Os invernos não eram tão frios se a chuva não era lágrima,

A neve agora é só branca, não mais sorvete...

O jardim é de ervas daninhas que se arraigaram a mim.

Eu lembro que havia uma promessa de eternidade,

Que as lembranças seriam renovadas em surrealidade salivar,

E agora essas lembranças empoeiradas me matam,

Como se tivesse alergia a pensar ou sentir algo novo...

Não importa mais, dentro da floresta eu me guardarei,

Como em um baú jogado às profundezas do oceano.

Não importa mais, a dor também será lembrança esquecida,

Eu me trancarei na caverna do jamais e repousarei.

Não haverá telefone ou choro de criança que acorde,

Não mais quero pertencer a esse mundo mundano.

A chave foi embebida em licor e engolida com sono...

Meu mundo se fechou para esse mundo de lembranças!

Agora lembro que poderia ter te esquecido antes.