[À memória de Augusto dos Anjos, essas “Memórias do Largo da Matriz” – Araguari-MG]
Abandonou-me a lira radiosa
em que as belas alamandas,
resplandecentes ao sol da manhã,
fariam meus versos planger alegrias!
Fugiu-me aquele alegre pensamento
que passeia, brejeiro, por entre as rosas
rorejadas do orvalho da madrugada,
e senta-se no vazio dos bancos da praça.
Desvaneceu-se do meu olhar
o poente avermelhado daquele tempo
em que as andorinhas me descreveram,
com voos rápidos, vãs esperanças de eu escapar.
Apagou-se, no instante em que eu a buscava,
a última luz da casa da ponta da rua,
essa misteriosa luz que me augurava promessas
de uma vida que nunca seria minha.
E ficou-me a dor, a cortante dor,
a dor fina da constante latência do Fim,
fria como os cortantes ventos de agosto
que longe levam a fumaça do fogão de lenha.
Dor pelo absurdo da Morte que inda ontem eu vi,
coberta de brancas e simplórias margaridas,
seguida de perto pelos homens semimortos,
a subir lentamente a infinita ladeira do Rosário!
Era o séquito da implacável demolidora de sentidos,
vazia, dura como só pode ser a morte que nos tem:
a futuridade das vaidades e de todas as miradas,
para sempre perdidas na vã caminhada!
[Penas do Desterro, 26 de maio de 1999]
caderno 1 –velho pág. 194-verso
[Poema da minha coletânea "Arribadas, O Passo da Volta"]