Quando ardes indiferente
À maré que te envolve
Quando reciclas o verbo
E gemes sem prazer de viver
Não consegues imaginar
Uma forma de acreditar
De acender uma vela
E rezar ao Pai de todos nós
Quando deitas fora a dignidade
A vida em chamas
Quando não ergues a cabeça
Do chão imundo e vazio
Donde te nasce a felicidade
A prenda do teu ilustre Pai
O Pai de todos nós.
Quando nem consegues imaginar
Imaginar uma réstia de amor
Amor de olhos fechados
Fechados no destino numa mão
Mão decepada e olvidada para sempre
Sempre a imaginar a paixão
Paixão desenfreada pela próxima encarnação...
E quando a fé já se foi
O cinismo suplanta
E o calvário suplanta a dor
Os joelhos magoados
A dor imaginária da coragem
Imaginária...
E na tua casa
Adoras ídolos
Imaginas amor imaginário
Sentido para o terrorismo
Apaziguado pelas velinhas
Pelas promessas ao Pai
Ao Pai de todos nós
Versátil
E segues magoada
Ilusão fixa num sorriso
Em vão
Vão...
E quando alcanças a vida desejada
As noites suadas de sexo ardente
O coração cansa-se e pára
E morres por fim
E o teu Pai
O Pai de todos nós
Onde anda esse Pai
Que nos faz imaginar
Todos os males esquecidos
Que nos tranquiliza
Quando amamos
Quando matamos
Tudo é sagrado
Em nome do Pai.
Mas se não fosse a Mãe
Como imaginar a felicidade
O crescimento
O carinho
A falta de virilidade
Como eu amo mais a Mãe
O contraponto
Sonho breve já esquecido...
in O MEDO DO DIA SEGUINTE, MANUEL MARQUES, MAGNA EDITORA 2007