A Fuga de Si
Horas, infinitas horas.
É o lento e perturbador andar do tempo.
É o sólido e duro cotidiano a chocar-se
com o delicado cristal da alma.
São cacos, inúmeros cacos
perdidos na sua impessoalidade,
na sua falta de graça.
Um acidente ou um fato pré-determinado?
Pouco importa, o fato é que restam cacos.
É assim que, ante a vastidão
do consolador horizonte,
rasteja esgotado um ser solitário.
Ferido em sua fonte de vida,
envenenado em sua nascente de água,
é mero moribundo.
Desiludido e derrotado nas esperanças,
enche-se de paralisante e passiva quietude.
A pressão desce em queda livre,
domina-lhe um suor gelado,
o sangue acovarda-se.
Meio que zumbi,
neste instante parece viver
bastante contrariado, finge-se de vivo.
De fato, em parte morto,
precisando buscar, fora de si,
uma expectativa ou mesmo ilusão
para alimentar novas esperanças.