O navegante

O navegante
 
 
Outrora naveguei por tantos mares
com vagas que ostentavam tal furor,
que minha velha nau e seus pesares
rumou ao ermo porto do temor.
 
Por lá foi que atraquei, recolhi velas
e âncora lancei em fundo mar.
Mirei ao longe as ondas; disse a elas
que a mim não mais iriam alcançar.
 
E assim, pensei que estando em terra firme
não mais veria risco nem perigo.
Porém a vida em terra não redime
a dor que um navegante traz consigo.
 
Sentei-me a beira-mar, um certo dia,
fitando o horizonte e o oceano.
Tocou-me, de repente, a maresia
e vi que o mar, em mim, via outros planos.
 
Pensei: “Se naveguei, do mar sou filho
e a terra não tem rumo pra meus pés!”
Tornei à nau, saltei-lhe o tombadilho
e pus-me resoluto no convés.
 
Amarras fui soltando, uma a uma,
até que, enfim, a nau se viu liberta.
No mar, atrás, um rastro feito espuma;
à frente uma jornada, em si, incerta.
 
O vento foi deixando velas pandas
e o barco foi singrando mais veloz.
Daí só via água em toda banda;
no casco o mar batia a sua voz.
 
Busquei algum destino em minhas cartas
mas elas não registram sugestões.
Só marcam onde a terra ao mar aparta
e indicam, no entremeio, vagalhões. 
 
Eu, mesmo sem saber qual era o rumo,
firmei o leme em frente, sempre em frente.
E posto o leme assim em firme prumo
fitei o sol fugindo no poente.
 
A noite enegreceu toda a visão
e nada, ou quase nada, é o que se via.
Sem lua a amenizar a escuridão,
somente havia eu, mais nada havia.
 
Assim submergi, eu em mim mesmo,
sentido um calafrio a me tomar.
E, então, era eu no mar seguindo a esmo;
seguindo a esmo em mim estava o mar.
 
Porém, notei que aquela sensação,
que ali se apoderou de mim errante,
trazia no silêncio uma lição
que o mar é que dá vida a um navegante.
 
E, hoje, mesmo havendo risco tanto
não temo mais as águas como outrora.
Navego neste mar que é meu encanto
até que uma maré me leve embora. 

                                             .oOo.