O navegante Outrora naveguei por tantos marescom vagas que ostentavam tal furor,que minha velha nau e seus pesaresrumou ao ermo porto do temor. Por lá foi que atraquei, recolhi velase âncora lancei em fundo mar.Mirei ao longe as ondas; disse a elasque a mim não mais iriam alcançar. E assim, pensei que estando em terra firmenão mais veria risco nem perigo.Porém a vida em terra não redimea dor que um navegante traz consigo. Sentei-me a beira-mar, um certo dia,fitando o horizonte e o oceano.Tocou-me, de repente, a maresiae vi que o mar, em mim, via outros planos. Pensei: “Se naveguei, do mar sou filhoe a terra não tem rumo pra meus pés!”Tornei à nau, saltei-lhe o tombadilhoe pus-me resoluto no convés. Amarras fui soltando, uma a uma,até que, enfim, a nau se viu liberta.No mar, atrás, um rastro feito espuma;à frente uma jornada, em si, incerta. O vento foi deixando velas pandase o barco foi singrando mais veloz.Daí só via água em toda banda;no casco o mar batia a sua voz. Busquei algum destino em minhas cartasmas elas não registram sugestões.Só marcam onde a terra ao mar apartae indicam, no entremeio, vagalhões. Eu, mesmo sem saber qual era o rumo,firmei o leme em frente, sempre em frente.E posto o leme assim em firme prumofitei o sol fugindo no poente. A noite enegreceu toda a visãoe nada, ou quase nada, é o que se via.Sem lua a amenizar a escuridão,somente havia eu, mais nada havia. Assim submergi, eu em mim mesmo, sentido um calafrio a me tomar.E, então, era eu no mar seguindo a esmo;seguindo a esmo em mim estava o mar. Porém, notei que aquela sensação,que ali se apoderou de mim errante,trazia no silêncio uma liçãoque o mar é que dá vida a um navegante. E, hoje, mesmo havendo risco tantonão temo mais as águas como outrora.Navego neste mar que é meu encantoaté que uma maré me leve embora. .oOo.