O dia em que chorei para dentro
O dia em que eu chorei para dentro foi-me fatal. Essa manhã acordou já húmida, o Inverno agarrara-se a fiapos de nevoeiro, tentando aquecer-se, mas o efeito foi o contrário: fiapos de algodão levados a frio extremo transformam-se em agulhetas de gelo... que ferem, que fazem sangrar...
Mas foi a humidade que me danificou, mais que o frio. O frio foi até meu amigo, paralisou-me, ficou ali comigo, petrificou-me, como se quisesse que a Dor passasse por mim sem me notar...
A humidade foi-me cruel fatalidade. Não aquela que pingava na visibilidade do ar, cá fora! Não, essa não. O problema foram as lágrimas quentes, que, trementes e tementes do frio cá fora, se recolheram aos meus olhos e me caíram para dentro... Não sei bem que dano irreversível me causaram, sei lá, um curto circuito interno, sei lá!..
Sei que nunca, nunca mais, consegui voltar a ligar a alavanca de Arquimedes, e erguer-me acima do nevoeiro...
...e o sol que consigo, é sol inventado, algures entre uns olhos de mar e uns olhos de mel... e um bater de asas de anjo...
(relembrando...)
INFILTRAÇÃO
Sinto a minha alma molhada,
Empapada.
Acho que o meu coração cedeu,
Rompeu...
E uma infiltração difusa
Escorre por fenda obtusa.
Será chuva?
O meu coração é um charco,
Um barco
Sem fundo e sem vela,
Aguarela
Sem cor e sem vida,
Mera força amolecida...
Naufrago?
A minha alma apodrece,
Esvaece.
Do coração trespassa,
Perpassa,
A humidade que mina
O alicerces da ruína...
Será só orvalho?
O meu coração goteja,
Mareja,
Molha a minha alma frágil,
Intáctil.
E rios de cristal fluído
Aquecem-me o olhar perdido...
...São lágrimas!