O Frasco A imagem de um frasco vazio. Uma metáfora transformando-se em substantivo. O ar avançando para dentro de pulmões que, passivamente, o recebe. O sangue que mecanicamente circula pelo corpo, inundando o aparelho cardíaco. A falta de sentido, a ausência de objetivo, o cansaço estressado do cotidiano. A multidão dos problemas, as fugas paliativas, a aversão pela árida realidade. A clausura compulsória, a vontade nitidamente acuada, a armadilha oculta. O nervoso silêncio, a imobilidade do corpo, os fios de comunicação estão rompidos. O frasco está vazio, o límpido vidro transparente, a sua ilusão de fascínio. O seu falso brilho talvez oculte a lembrança do verdadeiro brilho de um olhar. A força está frágil, músculos e nervos estão tensos, os punhos querem agredir. A razão tenta conter o impulso, a moral enche-o de vergonha e culpa, tortura-se. As horas são trucidadas pelos ponteiros do relógio, existe uma violência dissimulada. Uma terrível agressão que quer fazer-se de branda, uma fervura que se finge morna. Os dentes de cima querem agredir os debaixo, o corpo redesenha-se em inflexibilidade. O frasco tem lá sua beleza, mas está vazio. A própria alma parece estar vazia. Tudo incomoda os sentidos, cria-se uma irritabilidade intolerante, perde-se a razão. Quer ter a posse de algo que de fato parece não existir. Um desejo irrealizável, uma perturbação que insiste em permanecer como que assombração psíquica, gerando uma inquietação agressiva, criando uma resposta, uma justa vingança. Determinando o estado defensivo que acabará por alimentar obstinado ataque. Uma contundente agressão, uma tentativa desesperada de minar o opositor. O inimigo misterioso que não consegue encontrar, criando algo de demência. Um olhar extasiado e cheio de ira, encontrando pela frente o inofensivo frasco. A vítima passiva de um poderoso tapa, sendo aniquilado em infinitos cacos.