(Em homenagem a Augusto Gil [1873-1929], autor da belíssima "Balada de Neve", que sempre embalou o meu mais precoce amor pela poesia... uma réplica humilde, só autorizada pela inspiração que tão sublimes versos me iluminaram, na grandeza - e como não dizer beleza...? - da Saudade que um Anjo me inspira...)
BALADA DE NEVE BALADA DA SAUDADE
Batem leve, levemente,
Bate mansa, triste e leve, como quem chama por mim.
como quem chora por mim. Será chuva? Será gente? Será chuva? Será neve? Gente não é, certamente Neve não!, não é tão breve, e a chuva não bate assim.
e a chuva não dói assim.
É talvez a ventania: Será só melancolia, mas há pouco, há poucochinho,
que com frio e jeitinho. nem uma agulha bulia se chega, muda e fria, na quieta melancolia
trazida pla ventania, dos pinheiros do caminho…
ao calor do meu cantinho...
Quem bate, assim, levemente,
Quem bate assim, docemente, com tão estranha leveza,
com a íntima certeza que mal se ouve, mal se sente? de quem conhece a gente? Não é chuva, nem é gente,
Não é dor o que se sente, nem é vento com certeza.
e há nela certa beleza...
Fui ver. A neve caía
Ah!... A saudade sorria do azul cinzento do céu,
velada por fino véu, branca e leve, branca e fria…
branda e leve, branda e esguia, Há quanto tempo a não via!
há quanto tempo eu sabia E que saudades, Deus meu!
o seu toque de Morfeu!
Olho-a através da vidraça.
Traz na mão argêntea taça. Pôs tudo da cor do linho.
Of'rece um gole de vinho, Passa gente e, quando passa,
e enquanto minh'alma abraça, os passos imprime e traça
bebe a lágrima que embaça na brancura do caminho…
os meus olhos, de mansinho...
Fico olhando esses sinais
Fico dormente, sem ais, da pobre gente que avança,
entrego-me, sem esperança, e noto, por entre os mais,
e os meus alentos vitais, os traços miniaturais
por muitos instantes mais, duns pezitos de criança…
são réus da sua cobrança...
E descalcinhos, doridos…
E de lábios inda feridos a neve deixa inda vê-los,
pelo bordo de flagelos primeiro, bem definidos,
do cálice dos meus sentidos, depois, em sulcos compridos,
sinto o abraço comovido porque não podia erguê-los!…
da saudade, em desvelos...
Que quem já é pecador
Mansa saudade, que é dor sofra tormentos, enfim! sem me doer tanto assim! Mas as crianças, Senhor,
Pois não me traz o calor porque lhes dais tanta dor?!…
dos teus beijos, meu amor, Porque padecem assim?!… mesmo só dentro de mim?!...
E uma infinita tristeza,
E me entrego, dócil presa, uma funda turbação
À saudade, em oração. entra em mim, fica em mim presa.
No rosário da tristeza Cai neve na Natureza
vou desfiando a certeza: e cai no meu coração. Estás no meu coração!...