[Naquele tempo, eu não me soubera assim, recorrente... eu não sabia que o janeiro das águas chegara em mim, daquela forma pungente, apenas para que, em minha solidão, eu repetisse o lamento milenar de Edipo em Colono! - Contudo, descreio de Nietzsche: não há o Eterno Retorno!]
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Águas de janeiro...
Recosto a cabeça no travesseiro,
cerro os olhos, penso em estradas...
Lá fora, a chuva mansa encharca, lentamente,
as coisas, o jardim, a terra inteira,
e a monotonia da pingadeira do telhado me embala.
O aço frio duma tristeza profunda e escura
inexplica-se em minha mente.
De repente, tudo é nada,
e vou morrer agora;
sufoco-me, vejo fortes luzes...
Mas não! Deve ser apenas o ressoar
da atávica angústia impregnada em meu ser;
vim do nada e ao nada retornarei no devido tempo,
um tempo meu que eu não sei qual é!
Ah, este pavor, este tremor gelado,
aterrador é pensar no aniquilamento!
Ah! Os luminosos dias da juventude inconseqüente,
o tempo das minhas futurações ansiosas,
os dias em que a esperança brilhava em meu olhar!
Como é doloroso esse inexorável escoar do tempo,
que desgraça cumprir a existência, viver!
Tinha razão o já cego e infeliz Édipo:
Ah, que infelicidade ter nascido!
[Penas do Desterro, dia perdido de janeiro de 1984]
[Excerto [sem data] do meu Caderno Primeiro]
Ps: Também disponível em "audio"