[Sobre o natural que às vezes cansa]

 

Reúno o negro no dia e o branco na noite
                        assino cartas de alforria
retiro pássaros encalacrados das gaiolas
Liberto mortos-vivos maltratados no asfalto
caminho sem medo por cima das covas
Apaziguo oficiais egípcios rudes
compreendo latrocínios
absolvo cacarejos de galinhas arrepiadas
- penas valem muito mais quando mortas
não mato assassinos da pior estirpe
não torturo nem escravizo
Cada qual tem sua serra elétrica
sua espada, sua navalha, seu torno
seu machadinho particular...
No breu
não julgo, não limito
não atiro em gritos, repito estribilhos
Liberto versos mortos envenenados dos túmulos
Sou quase santo, olho no olho do escultor com dedo em riste:
- Sou teu filho torto!
E apesar de mudo surdo e duro tal qual o gelo frio do pedestal
reviro o ranço com o ar de esfinge me exorcizo e te exorcizo....
Não tenho dono, sou charada gargalhando junto aos demônios
não me espanto
Enquanto na terra chovem lágrimas dos deuses
nos quintais
brotam suores, raízes, flores, dos olhos algozes
...mortais
liberto morto-vivos com porta-vozes dos franciscanos e bruxas
cada vez que leio um verso metrificado danço danço... e danço
Reúno o branco no dia e o negro na noite
queimando numa fogueira tradicional mas saio do
fim do túnel...

Rosangela Aliberti
nov-08
Arte: Tarsila Amaral
(Mote: Oficina de Rascunhos Poéticos)